sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

VAMOS À MERDA! ou COMO XINGAR UM HOMEM SEM OFENDER UMA MULHER

Se tem uma coisa que mostra, sem sombra de dúvidas, como nossa sociedade é misógina é a linguagem, principalmente a linguagem depreciativa. Quando os xingamentos não são descaradamente voltados pra diminuição da mulher, são sutilmente voltados pra glorificação do homem.

Comecemos pelo xingamento misógino mais básico: a própria palavra mulher. Mulherzinha! Ser mulherzinha é ser fresca, sensível em excesso, cheia de não me toques, chorona. Paralelamente, fazer as coisas como homem é fazer bem feito, com vontade, com força. A gente cresce ouvindo isso, e acaba naturalizando os binarismos mulher-fraqueza e homem-força. Mas, não há nada de natural neles. Aliás, uma breve observação das vidas de homens e mulheres já mostra que não é bem assim, que mulheres são, por exemplo, mais fortes pra suportar doenças, o que também não é natural, mas criado culturalmente. Mulheres são tidas como frescas e fracas ao menor sinal de reclamação, então nos acostumamos a suportar dores muito mais fortes que homens, antes de procurarmos ajuda. Entretanto, crescemos ouvindo e repetindo coisas como “ela é mais homem que muito homem”, sem perceber que isso, na verdade, é uma ofensa a todas as mulheres.

Então, vamos parar de mandar mulheres e homens fazerem coisas como homem? Até porque o mundo, criado até agora basicamente por homens, anda uma boa bosta atualmente. Se você precisa mandar alguém fazer algo como outro, mande fazer como Papai Noel, por exemplo, que consegue carregar nas costas e entregar bilhões de presentes em uma noite! Ou como Mamãe Noel, porque garanto que quem segura as pontas é ela, enquanto ele leva toda a glória.

Quando queremos xingar um homem, frequentemente sobra pra mulher. Ele é filho da puta, ou é corno. O primeiro, e sua variante “puta que pariu”, são muito problemáticos por motivos que me parecem óbvios, mas não devem ser, porque continuam na boca do povo, inclusive de feministas. Ao chamar um homem de filho da puta, estamos dizendo que 1. ser filho de uma puta é algo ruim; 2. A culpa das merdas que aquele homem faz é da mãe dele, não dele. Em primeiro lugar, ser filho de uma prostituta não deveria ser considerado xingamento. Mulheres são quase sempre levadas à prostituição por total falta de opção, por mais que ainda estejam querendo enfiar na nossa cabeça a falácia de que ser puta é ser livre, e outra bobagens. Muitas mulheres entram na prostituição justamente pra sustentar os filhos, depois de terem sido largadas pelos doadores de esperma das crianças. É sempre bom lembrar: toda criança nasce de dois seres humanos, um macho e uma fêmea. Mulher nenhuma faz filho sozinha, incluindo as prostitutas. Aliás, ainda existem lugares onde moças, ao serem estupradas e engravidarem, ainda por cima, são colocadas pra fora de casa pelo pai, e a prostituição é a única alternativa pra elas. Além disso, o termo culpabiliza mães pelos problemas/defeitos/crimes de seus filhos. Se um homem não presta, não é culpa da mãe dele. Se um homem é ladrão, não é culpa da mãe dele. Se um homem estupra, não é culpa da mãe dele. Esses termos só incutem ainda mais culpa nas mães, seres que já carregam uma enorme carga de culpa em nossa sociedade. E a verdade é que mães têm muito pouco poder sobre seus filhos, principalmente sobre homens, pra serem responsáveis pelas bostas que eles fazem. O mesmo raciocínio vale pra quando se xinga um homem de corno. Está implícito que as merdas que ele fez foram feitas porque a mulher o traiu. Aquele corno que não me paga os 500,00 que me deve! Cara, não é porque a mulher dele o traiu que ele não te paga! É porque ele é desonesto, não corno. Aquele corno que falta ao trabalho sem avisar! Não, não é porque a mulher o traiu que ele falta, falta porque é irresponsável.

Então, vamos tirar o filho da puta e o puta que pariu da boca? E o corno também? Se você faz questão de culpar alguém que não seja o próprio sujeito, então chame de “filho do pai”, já que homens costumam ser os irresponsáveis na criação dos filhos, muito mais que mulheres. Chame de “filho de um deputado”, se você é daqueles que acredita que todo político é igual. Chame de “filho de um motorista bêbado” ou “filho de um vizinho que ouve música alta”. São inúmeras possibilidades! Ou então, chame o sujeito do que ele é, seja irresponsável, desonesto ou o que for.

Mas, não adianta trocar o puta que pariu pelo “vai se fuder” ou “vai tomar no cu”. Já perceberam que não se usa “vai fazer sexo” como xingamento? Não teria nem sentido, se você quer xingar a pessoa, mandar ela fazer alguma coisa considerada boa pela maioria, né? Então, por que “vai se fuder” ou “tomar no cu” são ofensivos? Porque quem “se fode” é mulher e não homem hetero. Porque quem “toma no cu” é gay ou mulher, e não homem hetero (e a sociedade só é homofóbica com homens gays, devido a associarem-nos a mulheres, logo também é um xingamento misógino). Daí, já dá pra tirar o que a sociedade pensa de nós, mulheres: seres inferiores que se submetem ao que nenhum homem “de verdade” se submete, ou seja, ser fodida, ser penetrada, invadida, violada, tomada, comida. Senão, “vai se foder”, ou “vai tomar no cu”, não teriam sentido nenhum como xingamento.

Então, vamos tirar o “foda-se” e o “tomar no cu” da ponta da língua também? Se você sente necessidade de mandar a pessoa pra algum lugar, mande à merda. Merda é democrático, merda todo mundo faz, e, salvo raras exceções, todos acham merda uma coisa fedorenta e ruim.

Porra, caralho, assim não vai sobrar palavrão! Lamento informar que porra e caralho também são misóginos. Não obviamente misóginos, mas, ao glorificar o falo, e o que sai dele, contribuem pra aumentar o falocentrismo da língua, e da sociedade. Assim também funcionam o “do caralho”, “da porra” etc. Algo que é muito bom é “do caralho” ou “pica”, porque, se é bom, só pode ser associado com a super pica milagrosa e salvadora (mais aqui: http://tepergunteialgumacoisafeminista.blogspot.com.br/2015/06/a-super-pica-milagrosa-e-salvadora-ou.html)!

Então, vamos tirar o caralho e a porra da boca, e falar “buceta”, por exemplo, ou “isso é da buceta”?

Já perceberam que, na língua portuguesa, analogias feitas com animais cujo nome é uma palavra feminina são sempre negativas? Cobra, baleia, anta, mula, por exemplo. São animais cujo nome é expresso por uma palavra feminina, embora os animais sejam tanto macho quanto fêmea, obviamente. (Não queiram que eu saiba classificar isso em substantivo epiceno, ou comum de dois gêneros, que eu nunca sei qual é qual, e me recuso a aprender/ensinar essas classificações. Enfim...) Pessoas não confiáveis, que traem os outros são: cobras (ou, acabo de lembrar, traíras, substantivo também feminino). Pessoas gordas são: baleias (baleia tem uma forma masculina também, mas eu sou incapaz de memorizar a tal palavra, e só sei que ela existe, porque apareceu num exercício de livro didático). Pessoas não inteligentes são: antas, mulas. Ainda tem os mais sutis, como girafa, pra se referir negativamente a pessoas altas, ou tartaruga, pra se referir negativamente a pessoas lentas. Só a coruja se safou aí da misoginia, já que ser mãe ou pai coruja é ser orgulhoso, num sentido positivo, e a coruja é associada à inteligência.

Ah, mas existem também burro, cachorro e outros como xingamento. Sim, mas, nesses casos, usa-se o masculino pra homens e o feminino pra mulheres. Não tô falando disso, tô falando que palavras que só existem no feminino, quando usadas metaforicamente, terão sempre significado negativo, enquanto as que têm masculino e feminino, poderão ser usadas tanto pra coisas ruins (cachorro/cachorra), quanto pra coisas boas (gata/gato). E pra coisas ruins no feminino (vaca) e boas no masculino (forte como um touro, comer como um boi). Sem nos esquecermos que até a pobre da galinha é usada pra falar de homens que ciscam muito por aí! Até pra falar mal de homem se usa um animal fêmea como metáfora!

Então, vamos deixar a bicharada fora da língua?

Nesse grupo, também entra a piranha, que também é substantivo feminino, e também só é usado ofensivamente e contra mulheres. Saindo do mundo animal, piranha tem vários sinônimos: puta, vadia, vagabunda, e o “mais light”, periguete. Aqui temos duas situações, uma mais misógina que a outra. Se usamos esses adjetivos pra falar da vida sexual de uma mulher, estamos ofendendo-a simplesmente por fazer o que homens sempre fazem, e pra eles não é ofensa. Então, parem. E, se usamos esses adjetivos pra falar de algo que não seja a vida sexual de uma mulher, então é mais absurdo ainda (não que falar da vida sexual alheia não seja absurdo). Dilma sabe muito bem. Parece difícil que se consiga fazer críticas a seu governo sem apelar pra chamá-la de vagabunda, o que é bem estranho, porque motivos pra criticar o governo dela não faltam. Mas, todos os motivos desaparecem, e a ofensa passa a ser apenas à vida sexual dela. E isso não afeta só a presidenta, mas todas nós: já ouvi aluno reclamando que a “piranha da Fulana” o deixou reprovado. Considerando-se que Fulana dá aula de português, e ele não sabe o significado da palavra piranha, acho que a reprovação foi justa.

Até nas brincadeiras de criança, a misoginia tá presente. Quem chegar por último é mulher do padre! Eu falava isso nos anos 1980, sem ter a menor ideia de todas as implicações. Eu sabia que padre não podia casar, então mulher do padre não era coisa boa. Mas, eu não problematizava por que quem chegar por último é a mulher do padre e não o próprio padre! Já me explicaram que é porque mulher de padre vira mula-sem-cabeça, logo é a última a chegar, porque não enxerga nada (o que é ainda ofensivo pros deficientes visuais!). Mas, isso continua não explicando por que é a mulher do padre que vira mula-sem-cabeça e não o próprio padre! Quem tá indo contra a própria religião é ele! Quem tá indo contra as regras da sua profissão é ele! Ah, mas a culpa é sempre da mulher. Se um homem trai a esposa, a culpa é da mulher que o seduziu, “destruidora de lares”. Se um padre trai o celibato, a culpa também é da mulher que o seduziu, óbvio. Se não fosse a tentação, ele não teria caído em pecado, coitado. Desde Eva, aliás, passando por Hester Prynne, as tentações são muitas pros pobres homens que não conseguem se controlar.

Então, ensinem pra suas crianças a não fazerem esse tipo de brincadeira. Se elas realmente querem humilhar quem chega por último, o que já é problemático, que o façam sem ofensas misóginas. Quem chegar por último é o Rubinho Barrichello, pronto!

A nova moda agora é chamar mulheres e homens falsos de Falsiane, e seus derivados, como Escrotiane. Raramente, vejo alguém usando uma versão masculina do nome, mesmo quando é pra falar de um homem. Cadê o Falsinei? Cadê o Escrotinelson? Por que feminilizar os adjetivos falso e escroto, até quando usados pra falar sobre homens? E mais, por que substantivar um adjetivo, transformá-lo em um nome próprio feminino, deixando implícito que mulheres não apenas têm atitudes falsas, mas são substancialmente falsas, falsas o tempo todo, como característica primordial, essencial, e não apenas algo que pode ter sido momentâneo? Todo mundo é falso uma vez ou outra na vida, algumas pessoas, mulheres ou não, são muito mais falsas que outras. Isso é incontestável. A misoginia não está em chamar uma mulher falsa de falsa, ou criticar situações em que mulheres são, sim, falsas, mas sim em 1. dar um nome próprio feminino pra pessoas falsas, substantivando o que é adjetivo, ou seja, essencializando o que pode ter sido uma ocorrência temporária, o que dá a entender que a falsidade já nasce com as mulheres, é uma característica natural nossa, e não, muitas vezes, desenvolvida pela socialização que temos pra rivalidade feminina; e 2. chamar até mesmo homens falsos por esse nome próprio feminino, deixando implícito que, quando homens são falsos, estão “agindo como mulheres”.

Então, por favor, chamem falsos de falsos, e falsas de falsas, sem precisar substantivar e naturalizar características que não pertencem a nenhum dos dois sexos, e sim a pessoas individuais. Se querem substantivar, pelo menos, usem no masculino quando forem falar de homens! Falsinei e Escrotinelson estão aí pra isso mesmo.

Enfim, lembrem-se, principalmente mulheres, que palavras o vento não leva, palavras têm um poder imenso, não só de descrever a realidade, mas de construí-la também. Uma das ferramentas mais fortes e mais antigas do patriarcado é a linguagem misógina, e problematizar (e, principalmente, deixar de usar) é nossa obrigação como feministas. Não é só uma palavra, assim como não é só uma piada, assim como não é só uma cantada, assim como não é só um tapinha, assim como não é só uma agressão física, assim como não é só um estupro, assim como não é só um feminicídio. Essas estratégias de dominação obviamente têm pesos diferentes, mas TODAS contribuem pra misoginia e exploração de mulheres por homens. Encerro com as poderosas palavras de Cecília Meireles, no Romanceiro da Inconfidência:

“A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...”


PS: listinha básica de xingamentos não-misóginos (nem racistas, gordofóbicos, capacitistas...):


canalha, escroto, desprezível, energúmeno, estrupício, imprestável, néscio, nojento, otário, patife, pífio, pusilânime, salafrário.  

sábado, 24 de outubro de 2015

PRECISAMOS FALAR DE CULTURA DO SILÊNCIO



Valentina, menina de 12 anos, membra do elenco do Masterchef Jr., “desperta” os “instintos" pedófilos de vários criminosos na internet. As mulheres lançam a hashtag ‪#‎primeiroassedio‬. Dentre as reações à hashtag, várias bem óbvias: homens dizendo que mulheres gordas relatando assédio estão mentindo, homens fazendo falsa simetria e dizendo que também eram assediados por mulheres na infância, homens comparando assédio com levar um fora... Até aí, nada surpreendente.
Mas, uma reação que me surpreendeu, e não sei por quê, foi esta, do print:
Não sei por que me surpreendeu, já que vivemos em uma cultura do silêncio, quando se trata de pedofilia e de abuso e violência contra mulheres. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher! E o marido segue sendo abusivo, e a sociedade conivente, ao se manter em silêncio. Pode ser que aquela mulher sobreviva, viva até mais que o marido, e seja “feliz”. Pode ser que ela morra nas mãos dele. Não importa, porque em briga de marido e mulher...
Precisamos romper com esse ciclo de silêncio! Isso só beneficia os agressores, portanto, homens, em 95% dos casos. Segundo homens que pensam como o que escreveu esse post do print, mulheres não devem expor histórias de assédio, INCLUSIVE HISTÓRIAS QUE ACONTECERAM EM ESPAÇOS PÚBLICOS, em público! Chamar uma menina de 11 anos de gostosa, no meio da rua, e dizer que vai enfiar seu pênis nela, ok. Falar disso em público, nem pensar! Será que esse senhor não se dá conta da incoerência disso? E, mesmo as histórias que acontecem nos espaços privados – e acabam sendo piores, pois, nesses casos, os abusadores são os próprios pais, padastros, avôs, irmãos, primos e amigos da família da vítima – também devem ser expostas!
A cultura do silêncio é uma das armas para que a violência se perpetue. Romper com ela é o primeiro passo para que, senão mudar a cultura da pedofilia e do estupro, pelo menos minimizá-la. Muitos criminosos não têm vergonha na cara mesmo, e nem se importariam de ser expostos, já que sabem que, ainda assim, não serão punidos, pois têm certeza da impunidade. Mas, alguns, com certeza, ainda mantêm as aparências de “homens de bem” e o risco de exposição talvez os intimidasse e, assim, talvez tivéssemos menos vítimas. Para vocês verem a que ponto chegamos: já nem temos esperança de acabar com o problema, ou punir os culpados. Ficamos felizes em tentar, pelo menos, diminuir o número de vítimas!
Segundo esse senhor também, essas histórias de assédio são casos pra psicólogo! Óbvio, afinal toda mulher já nasce doida, né? Segundo ele, a mulher que se sentiu a vida toda incomodada com assédio, que talvez tenha se culpado por ele, e finalmente tem a oportunidade de se abrir na rede, deveria, novamente, se calar, e se abrir apenas com um profissional de saúde, afinal deve ser doença se incomodar com esse tipo de coisa, não é mesmo? Apenas um profissional de saúde, pago pra isso, deve ouvir essas histórias. E, sendo a psicologia um saber masculino e misógino (não toda ela atualmente, óbvio, mas na sua origem), cabe a ela “consertar” essa mulher “neurótica” e “histérica”, que expõe em público sua história de assédio. Ela sairá do consultório “curada” do SEU “problema”, e os homens, que só estão exercendo sua masculinidade, continuam com passe livre para isso. E, mais e mais mulheres, todos os dias, vão adoecendo com tanto abuso e tanto silêncio, fornecendo mais e mais pacientes pros psicólogos...
Não seria extrapolar muito acreditar que quem pensa assim é, ele mesmo, um abusador tentando se proteger. Se não é um dos inúmeros casos de tios que se aproveitavam de dar colo às sobrinhas pra se esfregar, deve ser um desses que chamam meninas de 12 anos de “gostosa” ou “linda” (afinal, linda é elogio!) nas ruas. E, se ele não é assediador, tá sendo broder dos manos, usando da broderagem pra proteger outros homens.
Muito assustador é ver várias mulheres concordando com isso! Afinal, roupa suja se lava em casa, outro ditado popular que só contribui para o silenciamento de vítimas de violência doméstica. Não culpo essas mulheres. Estão apenas agindo de acordo com nossa socialização, pela qual temos que ser conciliadoras, ou seja, devemos manter a família unida a qualquer custo, mesmo que esse custo seja nossa sanidade física e mental, e a de nossas meninas. Isso no caso de o assédio ter acontecido em família. E estão, novamente, apenas agindo de acordo com nossa socialização, ao protegerem homens em detrimento de meninas ou mulheres, pois aprendemos que 1. mulheres não são confiáveis (quem disse que esse assédio aconteceu mesmo?); 2. homens podem mudar (ele errou, mas não vai acontecer de novo); 3. mulheres devem perdoar (ele merece uma segunda chance); 4. homens são vítimas (ele não sabia o que estava fazendo; ela que provocou); 5. mulheres se culpam (a culpa não é dele, é minha, que confiei nele).
Também agem de acordo com a socialização as vítimas que se calam. Ao criticar a cultura do silêncio, em nenhum momento, devemos criticar essas vítimas. Existem inúmeros motivos para isso, todos justos, e o mais forte é, com certeza, a socialização feminina, além da própria cultura do silêncio criticada aqui. Criticar a vítima acaba sendo apenas mais uma maneira de calá-la. Cada vítima se abrirá quando e se quiser ou estiver preparada. Antes de criticar a vítima, faça um exercício de autocrítica e se pergunte: por que vítimas se calam? Por que o assédio não existiu? Ou por que, quando vítimas veem a público, são questionadas, duvida-se delas? Ou por que se desconfia da sanidade mental da vítima? Ou por que se culpabiliza a vítima? E agora o momento de autocrítica: quantas vezes você já fez essas coisas? Quantas vezes já disse será que aconteceu mesmo? Será que ela tá inventando? Quantas vezes já disse será que ela não é maluca? Quantas vezes já disse que aquela ali tava merecendo ou procurando, porque saiu sozinha à noite de minissaia? Ou porque ficou sozinha num lugar fechado com um homem estranho, ou mesmo conhecido? Duvido que você não tenha respondido “pelo menos uma vez” nas questões acima. Então, antes de responsabilizar a vítima que se cala, pense no seu papel nisso tudo.
Às vítimas, todo meu apoio. Saibam que, quando e se quiserem, estarei aqui para ouvir. A culpa não é sua. Nunca. Nem por ficar calada, se assim preferir. Só não se calem por acreditar em pessoas como esse senhor do print, porque isso seria assunto privado e limitado à esfera da medicina. Não, não é. Falem, gritem, exponham seus assediadores. Quando e se vocês quiserem.

LOBOS EM PELE DE CORDEIRO. HOMENS EM PELE DE PORCOS.

Desde ontem tenho visto várias mulheres compartilhando esta charge, e não vou mais conseguir me calar sobre ela...


Valentina não está sendo assediada por porcos (que se parecem com lobos, aliás)! Porcos são bichos lindos, cheirosos, inteligentes. Lobos também são bichos lindos. Nem porcos nem lobos ficam em pé em duas patas, como os da charge, nem usam facebook. Valentina está sendo assediada por homens! HO-MENS!

Ao retratar porcos/lobos a assediando, O cartunista desvia o foco da verdadeira crítica que tem que ser feita aqui: aos homens. HO-MENS!

Amigas, Vitor Teixeira é homem. HO-MEM! Embora não seja dos piores, embora, fora essa charge, eu não tenha achado mais nada dele tão problemático, ele ainda é homem. Homem que está fazendo um retumbante sucesso (vejam quantos likes e compartilhamentos no print) numa área em que mulheres não têm vez, uma das áreas mais misóginas possíveis, e onde cartunistas mulheres não conseguem reconhecimento. E ele está conquistando esse reconhecimento com base, também, em temas femininos e feministas. Eu não compartilho charges "feministas" dele, mesmo quando concordo com elas. E, nesse caso, não dá nem pra concordar!

Talvez porque não haja mulheres cartunistas, talvez por isso, tantas mulheres o compartilhem. Mas, isso só aumenta sua repercussão, consequentemente, tirando as chances de mulheres que estão batalhando pra entrarem/terem espaço nessa área. Mas, ao compartilhá-lo, só diminuímos as chances das mulheres invisíveis na área, só aumentamos a dificuldade para ELAS virem a ter sucesso falando de NOSSOS problemas.

Voltando a essa charge em questão aqui, mesmo sem perceber (talvez), o autor usou da típica broderagem masculina pra tirar o foco do fato que, como dito acima, quem está assediando Valentina são: HO-MENS! Não acho que ele tenha feito de propósito, mas isso nem vem ao caso. Homens, mesmo sem querer, defendem uns aos outros. Ele, talvez sem perceber, ao saber do caso Valentina, já quis tirar o seu corpo fora, e de outros homens também, colocando a culpa nos porcos/lobos.

Impossível não pensar em contos de fadas, e Chapeuzinho Vermelho. Já perceberam que, em TODOS os contos de fadas, homens ou são heróis ou não são homens? Homens ou são o príncipe que salva a mocinha indefesa, ou são o caçador que também salva a mocinha indefesa, ou aparecem na forma de gigantes, figuras irreais ou de lobos e outros animais! Chapeuzinho Vermelho é uma história que visa a alertar/culpabilizar meninas sobre as violências que podem sofrer. Mas, quantas meninas você conhece que foram comidas por lobos? E quantas vocês conhecem que foram “comidas” por homens mesmo? Pois é...

O último teste pra quem compartilhou isso é: deem uma olhada em quantos homens curtiram/comentaram esse cartum, e em quantos homens curtiram qualquer outra postagem sobre Valentina. Por exemplo, meu próprio texto, que mostrava que todos os homens contribuem com a situação de Valentina, foi amplamente divulgado e curtido. Por mulheres. Dos homens, só silêncio. Ou comentários do tipo #nemtodohomem. Mas, o cartum do Vitor Homem Teixeira teve o aval de vários homens também, porque eles não se reconhecem nos porcos do desenho. Não são eles. São OUTROS homens.

Porcos/Lobos não são pedófilos. Porcos/Lobos não ameaçam e estupram. Homens são pedófilos, ameaçam e estupram. HO-MENS!

Sobre o caso Valentina, do Master Chef Jr:

1. Vcs estão REALMENTE surpresas? 
2. Isso q alguns homens mais descarados tiveram coragem de postar no face eh só o q TODOS pensam (vamos dar uma margem de dúvida e dizer q 95%).
3. Sim, isso inclui os homens c quem vc convive todo dia. Sim, isso inclui seu pai, seu filho, seu marido. Meu pai e meu marido tbm. 
4. Novinha eh a palavra mais procurada em sites porno no Brasil. Sim, vc leu certo. Novinha.
5. Sim, os homens c quem vc convive todo dia consomem pornô de novinha. E novinha n eh 18, nem 16. Eh 12 mesmo. Se n for criança ainda mais jovem. 
6. Sim, seu pai, seu marido, seu filho consomem esse tipo de pornô.
7. Se vc conversar c eles e pedir p pararem, talvez eles até parem. Na sua frente. 
8. Ah! Tem tb os profs q ficam c as novinhas. Sabe aquele prof de história mto legal q vc gostava no 2o ano? Ele já "pegou" várias alunas novinhas. O diretor sabia e só disse p ele ter cuidado p ng descobrir. Mas todos sabem e ninguém faz nada.
Deu p entender aonde eu quero chegar? Ainda n? Todos os homens contribuem p isso. Vc contribui p isso qdo diz q a X, estuprada no CPII, sabia o q tava fazendo e queria sim. Vc contribui p isso qdo insiste q crianças têm poder de decisão p escolher ficar c homens adultos. Vc contribui p isso tbm.

ESTUPRADORES NÃO SÃO MONSTROS

Estupradores não são monstros. São homens. São pais, filhos, irmãos, maridos de mulheres como eu e você. Uma parcela ínfima dos estupradores são psicopatas, que vivem isolados da sociedade, e poderiam ser considerados “doentes” pela definição atual do que é ser doente. Sabe aquele que vive naquela casa estranha da rua, na casa que nenhuma criança gosta de passar na porta? Então, esses são uma parcela mínima da população de estupradores. A enorme maioria são homens comuns. Sabe o seu professor, aquele legal, que fala de política e amor livre? Sabe o seu médico, aquele que é gentil durante a consulta? Sabe o motorista do ônibus, aquele que te dá bom dia todo dia? Enfim, sabe todos os homens que passam diariamente pela sua vida? Então, estatisticamente uma parcela deles é, sim, de estupradores. Não posso nem precisar quantos por cento. Essa estatística não existe. Mas, saiba que, dentre o padeiro, o vendedor da loja de celular, o taxista, o amigo do sindicato, o pai da sua amiga, o primo da sua vizinha, o entregador das casas Bahia, o técnico da net, o advogado trabalhista que te ajudou naquela causa difícil, o médico especialista que foi o único que resolveu a dor nas costas da sua mãe... Enfim, dentre todos os homens com quem você convive diariamente, uma parcela deles é de: estupradores. Isso é estatisticamente inegável quando consideramos que, no Brasil, mais de 500 mil estupros acontecem todos os anos, e prevê-se que isso e apenas 10% dos casos totais, que são os que chegam à polícia. Ou seja, são cinco milhões de estupros por ano, 13 mil todos os dias.

Mas, eu não consigo imaginar meu professor/médico/motorista de ônibus atrás de uma moita esperando pra estuprar uma mulher na rua! E nem precisam. A enorme maioria dos estupros também não acontece assim. Estupros acontecem dentro de casa. Homens estupram as próprias esposas e filhas e enteadas. Estupros acontecem em locais de trabalho, entre chefes e empregadas, e entre colegas de trabalho. Estupros acontecem em consultórios médicos. Estupros acontecem em táxis. E, num país em que 65% da população concorda com a afirmação de que “dependendo das roupas que estiver usando, a mulher é CULPADA pelo próprio estupro”, não é difícil de entender que a enorme maioria não acontece atrás da moita, na rua escura. Nesse momento, alguma colega de classe sua está sendo estuprada pelo pai/padrasto/irmão. Ou pelo namorado, que a “convenceu” de que já está na hora de perder a virgindade. Nesse momento, alguma colega de trabalho sua está sendo estuprada pelo próprio marido. Nesse momento, pacientes estão sendo estupradas em consultórios. Alunas estão sendo estupradas pelos próprios professores (que fingem ignorar que sexo com menor de 14 anos é estupro EM QUALQUER CASO). Nesse momento, amigas estão sendo estupradas por “amigos” que não sabem ouvir não, e cresceram acreditando que quando mulher diz não quer dizer sim.


Mas, pra que esse alarmismo todo? Pra que assustar as mulheres com esses dados? Se os dados assustam, é porque mostram um problema grave. Mas, a função desse texto não é assustar ninguém, e sim alertar mulheres pra pararem de se referir a estupradores como monstros, porque isso só prejudica as vítimas. Que menina vai denunciar por estupro seu pai ou padastro, aquele homem de bem, pilar da sociedade, se ela só escutar, todo dia, que estupradores são monstros? Que aluna vai denunciar o professor premiado internacionalmente e admirado por todos na escola/faculdade, se ela sempre ouvir que estupradores são monstros? Chamar estupradores de monstros, ou de doentes, só colabora com a cultura do estupro e tira o foco, a culpa, a responsabilidade dos verdadeiros culpados: HO-MENS!  

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

EU NÃO SOU A FAVOR DO ABORTO

Eu não sou a favor do aborto. Eu sou a favor da descriminalização do aborto e, principalmente, das mulheres que abortam. Eu sou a favor da autonomia feminina nessa decisão, eu sou a favor do estado, e da religião, e outras instituições machistas, não mais legislarem sobre os corpos femininos. Se você acredita que ser contra a legalização do aborto é uma questão de ser a favor da vida, você está muito enganada. É uma questão de ser a favor de ou contra mulheres, e você, mulher, está contra você mesma nessa.

Mas, eu me cuido! Isso nunca vai acontecer comigo! Olha, a não ser que você seja celibatária com homens, você não pode dizer isso. Uma das primeiras falácias a serem desfeitas a respeito do aborto é que “mulheres que se cuidam” nunca vão precisar dele. O único cuidado infalível nesse caso é não fazer sexo com homens. E, ainda assim, você não estaria livre de ser estuprada e se ver nessa situação. Métodos anticoncepcionais não são 100% seguros, nenhum deles. E, embora a pílula, por exemplo, seja 97% segura, isso significa que de cada 100 mulheres que você conhece que tomam pílula, todo mês, três delas poderão engravidar, mesmo “se cuidando” muito bem. A camisinha é ainda menos segura. Então, muitas mulheres que “se cuidam” também se veem na situação de uma gravidez indesejada. São milhões no mundo todo, todos os meses, que “se cuidaram” direitinho e se encontram nessa situação.

Mas, é uma vida humana que você está assassinando! Bom, isso já é uma questão de crença. Segundo a ciência, não, um feto não é uma vida. Pode ser que isso vá contra as SUAS crenças, a sua religião. Então, nesse caso, não faça VOCÊ um aborto. Mas, outras mulheres não são obrigadas a concordar com isso, principalmente se não há qualquer evidência que comprove essa crença. Por mais difícil que seja pra você, com seus princípios, aceitar isso, ninguém é obrigada a concordar com você. Olha, não somos nem obrigadas a acreditar em Deus! Então, se é necessário pro feto estar dentro de MIM durante nove meses, cabe a mim decidir se EU vou querer que ele se desenvolva até se tornar, enfim, uma vida.

Além disso, esse argumento pró-vida cai por terra, quando sabemos que ninguém é obrigado por lei a salvar a vida de ninguém, mesmo que aquela pessoa seja a única possibilidade de salvação da outra. Se você for a única pessoa compatível com alguém, seja pra doar sangue, medula, um rim, parte do fígado, você não é obrigada a doar. Mesmo que os médicos e as autoridades saibam que a única chance de sobrevivência da outra pessoa seja a sua doação, não, você não poderá ser obrigada a doar nada, pra ninguém. Todos assistirão a outra pessoa morrendo, você mesma poderá assistir a outra pessoa morrendo, na sua frente, sabendo que você é a única chance de sobrevivência daquela outra pessoa, e, nem assim, ninguém poderá te obrigar a doar nada. Em resumo, o único órgão ou parte do corpo humano sobre o qual o estado pode legislar é o útero das mulheres. NENHUMA OUTRA PARTE DO CORPO sofre a legislação do estado, apenas o útero. Isso mostra que não é a vida que se protege, mas sim o corpo da mulher que se invade.

Mas, você só tá aqui pra dizer isso, porque tua mãe não te abortou. Óbvio, né? E nem por isso eu seria contra o direito de decisão da minha mãe, se ela tivesse me abortado. Eu simplesmente não existiria, não estaria aqui e pronto. E isso não seria nem bom, nem ruim, seria indiferente. Mas, grandes mulheres e homens poderiam não ter nascido! Tá, mas daí eu também posso dizer que homens e mulheres que foram péssimos pra humanidade também poderiam não ter nascido, o que invalida totalmente esse argumento do “o que aquele ser que não nasceu poderia ter sido”.

Mas, se descriminalizar, o número de abortos subirá muito! Isso é MENTIRA! As estatísticas indicam que a legalização leva a uma diminuição nos casos de aborto, como aconteceu recentemente no Uruguai, que descriminalizou o procedimento em 2012. Isso mostra que 1. mesmo ilegal, as mulheres que não quiserem ter um filho não terão. Elas farão o aborto ilegal, e colocarão a própria vida em risco, mas não terão um filho indesejado simplesmente porque o aborto é ilegal; 2. o argumento de que ser contra a legalização do aborto é ser a favor da vida também é uma mentira, já que menos abortos acontecem quando ele é legalizado e, além disso, menos mulheres morrem em procedimentos ilegais mal feitos. Ou seja, mais fetos se tornam vidas, e mais vidas de mulheres são poupadas. Isso ocorre porque, junto com a legalização do aborto, no caso do Uruguai, veio também uma lei de apoio e conscientização das mulheres que se candidatam ao aborto legal. Não é só chegar no hospital e fazer e ir pro shopping fazer compras depois. A mulher passa por uma série de profissionais de saúde, recebe todas as informações necessárias, e, só aí, decide se dará continuidade ao procedimento ou não. Então, não, não vai ter mulher fazendo aborto todo mês, como se diz por aí.

Sendo legal ou não, de graça ou não, não será mais fácil pra nenhuma mulher essa decisão, não se tornará algo que as mulheres gostarão de fazer, ou farão por diversão. Transplante de coração é legal, e nem por isso alguém curte ter que receber um coração novo, nem muito menos as pessoas saem por aí propositalmente fazendo mal ao próprio coração, só pra precisar de um transplante! Continuará existindo o estigma, as mulheres continuarão sendo discriminadas na sociedade, principalmente aquelas que praticam alguma religião monoteísta. Além disso, continuará existindo o peso da decisão, do “e se eu tivesse esse filho?”, o que ele poderia ser tornar etc. Continuará existindo o peso de uma decisão que afeta a vida de várias pessoas, e de um amontoado de células que poderia vir a ser uma pessoa. Me arrisco a dizer também que, mesmo legalizado, mulheres ainda passarão constrangimento, quando não violência mesmo, ao procurar um hospital para abortar. Hoje, já é assim, nos casos de aborto legal que existem no Brasil (em função de estupro, ou risco de vida para a mãe, ou caso de bebês anencéfalos, ou que já estão mortos dentro do útero). Em inúmeros casos, meninas e mulheres são novamente “estupradas” pelo sistema, quando enfermeiros e médicos duvidam de que elas tenham mesmo sido estupradas. Sofrem abuso verbal e, às vezes, violência física durante o procedimento. E isso não mudará da noite pro dia, se o aborto for legalizado em todos os casos. “Profissionais” de saúde irresponsáveis e anti-éticos continuarão agindo assim. Agem assim até com mulheres que chegam com hemorragia ao hospital, quer por um aborto espontâneo, quer por outros problemas no útero, só por pressuporem que a mulher é uma “vadia aborteira” que não merece respeito. Então, a legalização não trará a banalização do aborto, como se argumenta muitas vezes, porque ainda haverá muita violência e abuso envolvidos na realização de um aborto.

Principalmente, a descriminalização aumentará a igualdade de chances entre mulheres pobres, negras, periféricas e mulheres privilegiadas e brancas. Hoje em dia, são as pobres, negras e periféricas que mais morrem em abortos ilegais. Mulheres de condição financeira elevada podem pagar mais, o que não garante melhor atendimento, já que é tudo ilegal, mas em geral, sim, têm seus abortos feitos com mais respeito. Muitas vão até pro exterior, pra países onde o aborto é legal. Quem acaba morrendo em maior número, ou carregando sequelas pro resto da vida, são as mulheres que não têm essa chance. Então, ser contra a descriminalização do aborto é também uma atitude racista e classista.

Também diminuirá, com a descriminalização, a ação de quadrilhas ilegais que fazem abortos. Muitas dessas quadrilhas é formada por homens, que, muitas vezes, se declaram contra o aborto, afinal não querem perder a fonte de renda! Em geral, não estão nem aí pro direito da mulher, ou pro bem-estar dela. Só querem mesmo o dinheiro, que elas se virarão pra pagar. Qualquer coisa ilegal, aliás, acaba gerando um mercado paralelo, que não contribui com impostos, que “emprega” pessoas ilegalmente, e que explora “clientes”, que não têm a quem recorrer. E, no entanto, isso não impede que abortos continuem sendo feitos, e que pessoas inescrupulosas continuem enriquecendo às custas da ilegalidade. São quase um milhão de abortos, por ano, no Brasil. Façam por alto as contas pra ver quantos homens e mulheres estão enriquecendo ilegalmente nesse momento.

Se, com todos esses argumentos, você ainda é contra a descriminalização do aborto, pelo menos, tenha a decência de admitir que não tem nada a ver com “direito à vida” o seu posicionamento. Admita que você é, na verdade, contra mulheres terem poder de decisão sobre os próprios corpos.

Se você é homem, isso não é tão difícil de entender. Aliás, a enorme maioria daqueles que se dizem contra a legalização do aborto são homens. Afinal, mulheres que têm poder sobre si mesmas, e sobre seus corpos (até onde isso é possível, na nossa sociedade, o que nunca é um poder total), assustam os homens profundamente. Imagina o poder que mulheres teriam, enquanto classe, de controlar a reprodução humana, se não houvesse tantos tabus em torno dela! Mulheres controlando os filhos que nasceriam, e DE QUE HOMENS nasceriam filhos também! Esse é um poder que nenhum homem quer que mulheres tenham! Aliás, a base da exploração feminina, no nosso sistema de castas sexuais, é justamente a exploração da capacidade reprodutiva feminina, pelos homens, pra manter seu poder de casta superior. Essa exploração é fundamental pra manutenção do patriarcado e dos privilégios masculinos. Ah, mas alguns homens são a favor a descriminalização do aborto! Sim, e a maioria dos que se dizem a favor da legalização do aborto só o são, porque sabem que, um dia, podem precisar dele também, ao engravidar indesejadamente uma mulher. Muitos acreditam que, se o aborto for legal, será um direito DELES, e eles poderão OBRIGAR a mulher a abortar, ou poderão se recusar a assumir um filho que a mulher não quiser abortar, pois não veem o aborto como um direito das mulheres, nem conseguem conceber a autonomia feminina nesse nível!

Se você é mulher, e é contra a descriminalização, é compreensível também, pois somos socializadas, em primeiro lugar, pra odiar nossos corpos. Em segundo lugar, somos socializadas pra competir com outras mulheres e odiá-las, e pra colocar homens acima de outras mulheres, e consequentemente de nós mesmas, então quem aquela putinha aborteira acha que é, pra abortar “o filho do Fulano”? Além disso, somos também socializadas pra odiar mulheres que têm vida sexual “livre”, que fazem sexo por prazer. Em quarto lugar, somos socializadas pra não compreender mulheres que não querem ter filhos, pra as acharmos inferiores àquelas que os têm. Mas, pasmem, segundo pesquisa feita em 2010, pela UnB, 81% das mulheres que abortaram JÁ TÊM FILHOS! Aborto não é sinônimo de ódio a crianças, ou nenhuma demonização desse tipo. Enfim, se você é mulher e, mesmo sabendo de tudo que sabe agora, ainda é contra o direito de outras mulheres – e olha, é seu direito também, sabia, mesmo que, por motivos religiosos ou quaisquer que sejam, você jamais venha a exercê-lo –, reveja seus pensamentos, e procure entender se o que causa isso é mesmo um profundo senso de “direito à vida” ou, na verdade, misoginia internalizada tão fortemente, que você nem percebe que sua posição nesse caso não é fruto de “amor à vida” e sim de “ódio às mulheres” e, consequentemente, a você mesma.

Resumo da pesquisa realizada em 2010, pela UnB. 

Então, mulher, seja pessoalmente contra ou a favor do aborto, faça você um aborto ou não, mas seja a favor dos direitos das mulheres, acima de tudo. Seja a favor do fim do sequestro de nossos corpos, por um estado “laico”, controlado majoritariamente por homens e altamente influenciado pela religião. Enfim, seja a favor da vida das mulheres que morrem todos os dias em clínicas clandestinas, única e exclusivamente por ousarem querer mandar em seus próprios corpos. SEJA A FAVOR DA VIDA, SEJA A FAVOR DA DESCRIMINALIZAÇÃO!  

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DOS HOMENS

Semana passada, graças a um novo filósofo-humorista esquerdomacho pós-moderno, que vem reiteradamente fazendo piadas hilárias sobre o feminismo (incluindo “sobrancelhas de radfem” e “a única protagonista da luta deve ser a própria luta”), várias feministas perderam seu precioso tempo, 30% menos remunerado que o dos homens, pra explicar pela enésima vez pra um bando de macho branco privilegiado por que: homens não podem ser feministas. Homens podem até teorizar sobre feminismo, mas como não têm a vivência feminina, qualquer teoria que não leve essa vivência em conta, além de inútil, ainda costuma atrasar nossa luta.

Mas, não fiquem tristes. Esse é um espacinho, enquanto todo o resto do mundo lá fora é de vocês. Nem fiquem com medo da gente também, não. Somos poucas, pouquíssimas. A maioria das mulheres ainda tá presa a vocês, então, relaxem, vosso mundo não vai acabar tão cedo, nem vossos privilégios. A maior parte do feminismo também ainda baba o ovo de vocês, isso sem falar no Queer... Nós, as “radicais” (aqui entendidas como as feministas que se alinham ao feminismo radical, e também qualquer uma que exclua homens de sua prática e discurso), não temos poder nenhum, além de vos “silenciar” com um block no face. Mãe, ela me bloqueou! Buáááááá! Mas, nosso poder sobre vocês e seu mundo não vai além disso. Ufa (pra vocês)! E, vocês também nos bloqueiam quando ousamos discordar da vossa opinião de macho branco privilegiado, então, como a gente dizia na infância: pronto, empatou!

Segundo alguns, essa é uma atitude não acolhedora, que não visa a um mundo melhor e solidárizzzz... Exato! Porque feminismo não se trata de acolher ninguém que não seja mulher, nem visa a uma solidariedade abstrata que, no final das contas, só beneficia aos... homens brancos privilegiados! Feminismo é sobre mulheres, de mulheres, para mulheres. Indiretamente, feminismo também se trata de lutar contra o racismo, o classismo e outras opressões e preconceitos. MAS, feminismo não se trata jamais de dar (mais) voz àqueles que já são donos de 90% da voz neste mundo: homens brancos privilegiados. Não visamos a ser solidárias com nossos opressores, até porque eles não o foram conosco, e ainda não o são, há mais de 10 mil anos! E, se essa atitude, de colocar mulheres à frente e acima dos homens, levar esses mesmos homens a nos chamarem de fascistas (eufemismo pra evitar o clássico feminazi), ótimo: sinal de que estamos fazendo um bom trabalho!

Mas, pra não dizer que não falei dos homens, e pra aquelas que ainda acreditam em “como vamos mudar o mundo sem contar com metade da humanidade?”, e também pra aqueles que querem porque querem participar do feminismo, aí vai uma listinha básica de 10 coisas que todo homem privilegiado pode fazer pra contribuir com o feminismo:

1. CRITIQUE A MISOGINIA NAS OBRAS DOS HOMENS

Antes de falar merdas, como “give peace a chance” ajudou muito a humanidade, lembre-se de que John Lennon abusou de suas duas esposas e transformou a vida de Yoko num inferno. A rola, quer dizer, a pomba de Picasso também fez muito menos pela humanidade do que qualquer homem pode acreditar, mas garanto que arruinou a vida de diversas mulheres. E vou contar um segredo que você provavelmente não sabe: Gandhi, aquele pregador da paz, era estuprador, pedófilo, e deixou um legado de estupros que se perpetua na Índia até hoje (http://www.theguardian.com/commentisfree/2010/jan/27/mohandas-gandhi-women-india) → Foi um homem que escreveu, então deve ser verdade!

Ah, mas eu não misturo a obra com a vida particular dos artistas/estadistas! Óbvio, porque ninguém quer admitir que seu ídolo é um escroto. Então, nos limitemos a criticar apenas as obras mesmo, que têm tanta, mas tanta misoginia, que já seria suficiente pra uma vida inteira de críticas. Só duas dicas de por onde começar: letras do Chico Buarque e filmes do Woody Allen. Só isso já daria uma tese ou duas. Só pra começar a discussão, leiam http://observatoriofeminino.blog.br/cultura/sou-mulher-e-chico-buarque-me-compreende/#.VfhFbhFViko e http://tepergunteialgumacoisafeminista.blogspot.com.br/2015/07/para-mia-farrow-ou-vende-se-colecao-de.html.

2. LEIA, VEJA, ADMIRE OBRAS DE MULHERES

Paralelamente a criticar a misoginia de seus ídolos, dedique um mínimo de tempo a ler obras escritas por mulheres, a ver filmes feitos por mulheres (tão poucos!). Você pode até continuar venerando os machos que sempre venerou, mas se quer se dizer pró-feminista, você terá que abrir um mínimo de espaço pra mulheres em sua vida. Sugiro começar com uns 10%. A cada nove livros escritos por homens que você ler, leia um escrito por uma mulher. O mesmo pra filmes dirigidos por mulheres. Se você é professor, trabalhe essas obras com suas alunas e alunos. Se você é jornalista, publique sobre essas obras. Se você é bibliotecário, privilegie mulheres na hora de adquirir livros pra biblioteca. Se você é apenas leitor ou público, leia e veja mais obras de mulheres.

3. NÃO CRITIQUE A APARÊNCIA DE MULHERES FORA DO PADRÃO
Dizer que sua amiguinha está com “sobrancelhas de radfem” e depois se dizer pró-feminismo não cabe. Simplesmente, não cabe. Se você se diz pró-feminismo, a atitude correta é jamais oprimir uma mulher pela sua aparência, seja ela qual for. E isso vale inclusive pras mulheres que estão dentro do padrão, e acabam oprimidas por serem “bonitas demais”, e não terem sua inteligência reconhecida, por exemplo. Parem de olhar pra mulheres como pedaços de carne, sem cérebro. Escutem primeiro o que uma mulher tem a dizer, antes de verificar se ela tem pelos nas axilas, ou não faz as sobrancelhas.

E NUNCA digam que uma mulher que se recusa aos rituais de feminilidade é “masculina” ou quer se parecer “com um homem”. Recusar as amarras da opressão não significa querer se igualar ao opressor, muito pelo contrário. Significa estar ciente de que meu sexo é obrigado a rituais que o seu não é, e que eu recuso conscientemente esses rituais. Não usar maquiagem, não me depilar, usar roupas compradas na “seção masculina” não fazem de mim mais ou menos “masculina”, nem mais ou menos mulher, mas sim mais ou menos ocupada em agradar ao olhar masculino, que é o objetivo de todos esses rituais.

Mas, isso não dá a você, homem, o direito de novamente nos dividir em “umas e outras”, e só levar a sério mulheres que recusam a feminilidade. Mulheres se obrigam a esses rituais pelos mais variados motivos, e não cabe a você, homem, criticar as mulheres que se subordinam ou não. Não vincule o que uma mulher diz ao fato de ela se submeter aos rituais de feminilidade ou não. Uma mulher que usa maquiagem tem tanto a dizer quanto uma que não usa. Uma mulher que está em cima de um salto 15 tem tantas ideias quanto uma de tênis. Enfim, tente fazer como naquele programa de aspirantes a cantores, e ESCUTE a voz de mulheres, antes de verificar sua aparência, e encaixá-la nesta ou naquela caixinha.

Se você quiser se colocar no lugar das mulheres em relação aos rituais da feminilidade, leia essa pequena crônica: http://tepergunteialgumacoisafeminista.blogspot.com.br/2015/09/dois-pesos-duas-medidas.html.

Se quiser saber mais por que mulheres que recusam a feminilidade não são “masculinas”, leia: http://www.geledes.org.br/por-que-resistir-a-feminilidade-deveria-fazer-parte-de- nossas-lutas/?fb_ref=fa6678b893e842208ade3ceb7414c684-Facebook.

4. NÃO USE LINGUAGEM MISÓGINA
Quase todos os xingamentos usados, pra ofender tanto homens quanto mulheres, ofendem as mulheres, antes de mais nada. Filho da puta, corno, mulherzinha, viado, vai tomar no cu.

Mas, muitas mulheres usam! Sim, muitas usam. Já vi cena de seriado em que a irmã chamava o próprio irmão de filho da puta, ou seja, tava chamando a própria mãe de puta! Isso porque o irmão dela tinha estuprado a filha dela, ou seja, sobrinha dele. Muitas feministas mesmo, inclusive eu, têm dificuldade em mudar sua linguagem, mas com um esforço consciente, não é tão difícil, principalmente na linguagem escrita. Então, se policie pra evitar isso. A cada vez que você escrever “filho da mãe”, volte três casas e substitua por algo não misógino. Se for na fala e não der pra voltar atrás, se policie pra não acontecer de novo. Assim, devagar, sua linguagem vai mudando, sem muita dificuldade.

Mas, é tão difícil encontrar um palavrão não-misógino! Ótimo, sinal, então, de que você já entendeu como usá-los é problemático e vai parar com eles, né?

5. NÃO FAÇA E NÃO RIA DE PIADAS MACHISTAS

Mas, é só uma piada! Não, não é só uma piada. Piadas são parte do discurso usado pra naturalizar opressões, pra que coisas inventadas pareçam naturais ou biológicas. Mas, se você tem uma compulsão por fazer piadas, faça piadas assim, ó: “um homem branco rico entrou numa padaria...”, ou “um homem branco hetero e outro homem branco rico estavam em um barco...”.

Ah, mas aí não vai ter graça! Então, você admite que a graça está em debochar dos mais fracos, né? Logo, acho que você já entendeu por que não pode nem fazer, nem rir de piada machista.


6. NÃO CANTE MULHERES NA RUA, NEM AS COMA COM OS OLHOS

Homens não cantam mulheres na rua, ou as devoram com os olhos, como forma de elogio, ou mesmo por um verdadeiro interesse naquela mulher em específico. Tá, tudo bem que eu tenho uma ex-aluna que conheceu o marido no ônibus, mas isso é exceção. Na verdade, com cantadas de rua, homens estão dizendo pra aquela mulher “seu espaço é o doméstico e o meu é o público. O preço que tu pagas por 'invadir' meu espaço é esse”. É por isso, também, que se espalham nos bancos de ônibus, nos espremendo contra a parede. É por isso, também, que chefes se sentem no direito de cantar funcionárias. É por isso, também, que motoristas de táxi se sentem no direito de cantar passageiras. É por isso, também, que alunos se acham no direito de cantar professoras, e professores, alunas. E alunos também se sentem no direito de colocar suas mãos nas alunas o tempo todo, em sala de aula, no recreio etc. É o homem falando na cara da mulher “você está ocupando meu espaço, e eu vou fazer tudo que puder pra te expulsar do espaço público, de volta pro espaço privado, eu vou te fazer odiar seu próprio corpo, que 'atrai' essas cantadas, eu vou te fazer ter medo de mim toda vez que sair na rua”. E o estupro nada mais é que a consolidação máxima dessa mensagem. Então, sim, você que olha pra mulheres assim na rua tem muito em comum com um estuprador, sabia?

7. NÃO SEJA CAVALHEIRO

O cavalheirismo é, provavelmente, a forma mais sutil de um homem colocar uma mulher “no seu devido lugar”. É dizer bem baixinho, ao pé do ouvido, “você é tão inútil, que é incapaz de abrir a própria porta ou puxar a própria cadeira, você é um ser tão, mas tão inferior, que é incapaz de carregar a própria bolsa” ou “você é tão delicada e precisa da minha proteção, que não pode ouvir um palavrão, então, quando eu falo um na sua frente, eu peço desculpas”. Obviamente, não estou dizendo que todo homem que faz isso sabe que o está fazendo. Não é algo consciente, mas, sim, enfiado na cabeça deles desde cedo: “filho, quando uma moça for passar pela porta, você deve abrir pra ela, porque é isso que faz um cavalheiro”. Então, agora, que você já é adulto e já pode problematizar as besteiras que teu pai te falava, pare de ser cavalheiro. Respeite as mulheres como gente, em vez de as colocar num patamar inferior.

Isso não significa dizer que você não deve ser GENTIL. Gentileza e cavalheirismo são bem diferentes. E a diferença fundamental é: gentileza a gente faz com QUALQUER PESSOA, e cavalheirismo só com mulheres. Exemplo: se uma pessoa de 1,60 precisar pegar algo em cima do armário, você, com 1,80, deve ajudar. Mas, você deve fazer isso por qualquer ser humano de 1,60 e não apenas por mulheres de 1,60. Você pode continuar abrindo portas pra qualquer um, desde que seja PRA QUALQUER UM, e não apenas pra mulheres. Ajude os idosos, homens ou mulheres, ajude as crianças, homens ou mulheres. Ajude quem for, SEM SE COLOCAR NUMA POSIÇÃO SUPERIOR.

Mais sobre como o cavalheirismo é uma praga pras mulheres aqui: http://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2013/05/04/o-cavalheirismo-e-nocivo-as-mulheres/.

8. NÃO CONSUMA PORNOGRAFIA OU PROSTITUIÇÃO

Pornografia e prostituição são duas facetas da cultura do estupro em que vivemos, que são, muitas vezes, consideradas inofensivas, e talvez por isso mesmo sejam tão perigosas. A pornografia ensina aos meninos, cada vez mais cedo, que mulheres gostam de ser mal tratadas e abusadas, e ensina isso às meninas também, o que é ainda pior! Assim, meninas crescem achando que, se não fizerem aquilo tudo, serão “trocadas” por outras que façam, crescem acreditando na falsa ideia de “liberdade sexual feminina”, que só beneficia aos... homens! Já os meninos crescem e viram homens que pagam prostitutas, pra cometer contra elas todo tipo de abuso que, muitas vezes, as namoradas ou esposas não estão dispostas a fazer. Ou, até estão, mas eles gostam de uma variedade também.

Sobre as consequências horrendas da pornografia pras meninas que estão iniciando a vida sexual, mais aqui: http://www.festivalmarginal.com.br/sexo/a-pornografia-tornou-o-panorama-da-adolescencia-irreconhecivel/.



9. NÃO ESTUPRE OU ABUSE DE MULHERES

Ah, mas isso é óbvio. Nem tanto... Não estou falando só daquele estupro em que o macho fica atrás de uma moita, esperando uma moça passar, na rua deserta, pra atacá-la. Em geral, esse tipo de estupro tem a crítica de vários homens também, quem diria! Tô falando daquele estupro mais sutil, daquele “amigo” que se aproveita da amiga bêbada na festa (quem mandou beber?), daquele “amigo” que se aproveita da amiga que resolveu dormir na casa dele, por ter medo de voltar pra casa tarde da noite (se dormiu na casa de homem, é porque tava querendo), daquele “amigo” que acha que “quando mulher diz não, tá querendo dizer sim”, daquele “namorado” que pressiona a namorada virgem pra transar porque ela “não é mais criança” e “ele tem necessidades”, enfim, todos esses estupros sutis do dia a dia.

E não falo apenas de abuso físico, que com esse muitos homens também não concordam. Falo daqueles abusos também sutis do dia a dia, do gaslaite, do mansplaining, e todos esses nomes difíceis em inglês, mas que, na verdade, descrevem problemas bem brasileiros mesmo; falo da manipulação psicológica que TODA mulher já sofreu e TODO homem já praticou, seja em relacionamento amorosos, ou de trabalho, amizades etc. Se você quer saber o que vocês fazem com as mulheres, muitas vezes sem nem perceber, mais aqui: http://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/como-reconhecer-a-armadilha-de-um-relacionamento-abusivo-1323.html

10. ESCUTE AS MULHERES

Dizer que quer dialogar com as feministas radicais e bloqueá-las na net não é realmente uma abertura ao diálogo, né? Dizer que quer diálogo, quando, na verdade, quer impor sua opinião, também não é. Dizer que quer diálogo, mas em que só o lado privilegiado fala, em vez de escutar, também não é diálogo. Dizer que quer diálogo, mas explicar a mulheres sobre sua própria vivência, em vez de ESCUTAR o que elas têm a dizer sobre essa vivência, não, não é diálogo.

Um diálogo entre membros de classes diferentes deve ser pautado pelo lado opressor OUVIR o que o lado oprimido tem a dizer, antes de mais nada. Fazer perguntas sinceras, e não apenas capciosas, também deve ser parte desse diálogo. Ter paciência pra ouvir o outro lado, e pra aturar toda a sua raiva, também. A raiva que mulheres muitas vezes têm de homens é justificada, e não deve ser menosprezada pelos próprios causadores – direta ou indiretamente – dessa raiva.

E, quando uma mulher te excluir do debate sobre feminismo, JAMAIS diga que ela está te segregando, porque em nenhum lugar desse planeta, mulher tem poder pra segregar homem. Qualquer mulher tem o direito de excluir homens privilegiados de seus espaços, pois isso é uma estratégia de sobrevivência e manutenção da nossa sanidade mental. É pura falsa simetria se vitimizar e achar que você foi o excluído, a vítima. Ainda mais, se você pretende bloquear outras mulheres posteriormente, né, kiridinhu?

Aqui como homens não podem ser segregados por mulheres, não com base no gênero: http://www.festivalmarginal.com.br/inspiracao/feminismo-segrega-os-homens/

Então, amigo, ou ex-amigo (porque, no meio tempo em que escrevia esse texto, o ser humano do sexo masculino que o inspirou bloqueou todos os contatos comigo), que quer realmente AGIR em prol do feminismo, e não apenas APARECER às nossas custas, se você fizer metade dessas coisas, a gente já terá muito a agradecer (apesar de serem apenas ações decentes, que qualquer ser humano deveria fazer). Ah, não se esqueçam também da dica número

11. CRITIQUE SEUS AMIGOS QUE FIZEREM QUALQUER UMA DAS 10 COISAS ACIMA!

Xi, mas aí eu serei o chato do rolê! Será mesmo, e, se você não quer pagar nem esse pequeno preço, então, você acha mesmo que pode fazer parte do feminismo?