Semana passada, graças
a um novo filósofo-humorista esquerdomacho pós-moderno, que vem
reiteradamente fazendo piadas hilárias sobre o feminismo (incluindo
“sobrancelhas de radfem” e “a única protagonista da luta deve
ser a própria luta”), várias feministas perderam seu precioso
tempo, 30% menos remunerado que o dos homens, pra explicar pela
enésima vez pra um bando de macho branco privilegiado por que:
homens não podem ser feministas. Homens podem até teorizar sobre
feminismo, mas como não têm a vivência feminina, qualquer teoria
que não leve essa vivência em conta, além de inútil, ainda
costuma atrasar nossa luta.
Mas, não fiquem
tristes. Esse é um espacinho, enquanto todo o resto do mundo lá
fora é de vocês. Nem fiquem com medo da gente também, não. Somos
poucas, pouquíssimas. A maioria das mulheres ainda tá presa a
vocês, então, relaxem, vosso mundo não vai acabar tão cedo, nem
vossos privilégios. A maior parte do feminismo também ainda baba o
ovo de vocês, isso sem falar no Queer... Nós, as “radicais”
(aqui entendidas como as feministas que se alinham ao feminismo
radical, e também qualquer uma que exclua homens de sua prática e
discurso), não temos poder nenhum, além de vos “silenciar” com
um block no face. Mãe, ela me bloqueou! Buáááááá! Mas, nosso
poder sobre vocês e seu mundo não vai além disso. Ufa (pra vocês)!
E, vocês também nos bloqueiam quando ousamos discordar da vossa
opinião de macho branco privilegiado, então, como a gente dizia na
infância: pronto, empatou!
Segundo alguns, essa é
uma atitude não acolhedora, que não visa a um mundo melhor e
solidárizzzz... Exato! Porque feminismo não se trata de acolher
ninguém que não seja mulher, nem visa a uma solidariedade abstrata
que, no final das contas, só beneficia aos... homens brancos
privilegiados! Feminismo é sobre mulheres, de mulheres, para
mulheres. Indiretamente, feminismo também se trata de lutar contra o
racismo, o classismo e outras opressões e preconceitos. MAS,
feminismo não se trata jamais de dar (mais) voz àqueles que já são
donos de 90% da voz neste mundo: homens brancos privilegiados. Não
visamos a ser solidárias com nossos opressores, até porque eles não
o foram conosco, e ainda não o são, há mais de 10 mil anos! E, se
essa atitude, de colocar mulheres à frente e acima dos homens, levar
esses mesmos homens a nos chamarem de fascistas (eufemismo pra evitar
o clássico feminazi), ótimo: sinal de que estamos fazendo um bom
trabalho!
Mas, pra não dizer que
não falei dos homens, e pra aquelas que ainda acreditam em “como
vamos mudar o mundo sem contar com metade da humanidade?”, e também
pra aqueles que querem porque querem participar do feminismo, aí vai
uma listinha básica de 10 coisas que todo homem privilegiado pode
fazer pra contribuir com o feminismo:
1. CRITIQUE A MISOGINIA
NAS OBRAS DOS HOMENS
Antes de falar merdas,
como “give peace a chance” ajudou muito a humanidade, lembre-se
de que John Lennon abusou de suas duas esposas e transformou a vida
de Yoko num inferno. A rola, quer dizer, a pomba de Picasso também
fez muito menos pela humanidade do que qualquer homem pode acreditar,
mas garanto que arruinou a vida de diversas mulheres. E vou contar um
segredo que você provavelmente não sabe: Gandhi, aquele pregador da
paz, era estuprador, pedófilo, e deixou um legado de estupros que se
perpetua na Índia até hoje
(http://www.theguardian.com/commentisfree/2010/jan/27/mohandas-gandhi-women-india)
→ Foi um homem que escreveu, então deve ser verdade!
2. LEIA, VEJA, ADMIRE
OBRAS DE MULHERES
Paralelamente a
criticar a misoginia de seus ídolos, dedique um mínimo de tempo a
ler obras escritas por mulheres, a ver filmes feitos por mulheres
(tão poucos!). Você pode até continuar venerando os machos que
sempre venerou, mas se quer se dizer pró-feminista, você terá que
abrir um mínimo de espaço pra mulheres em sua vida. Sugiro começar
com uns 10%. A cada nove livros escritos por homens que você ler,
leia um escrito por uma mulher. O mesmo pra filmes dirigidos por
mulheres. Se você é professor, trabalhe essas obras com suas alunas
e alunos. Se você é jornalista, publique sobre essas obras. Se você
é bibliotecário, privilegie mulheres na hora de adquirir livros pra
biblioteca. Se você é apenas leitor ou público, leia e veja mais
obras de mulheres.
3. NÃO CRITIQUE A
APARÊNCIA DE MULHERES FORA DO PADRÃO
Dizer que sua amiguinha
está com “sobrancelhas de radfem” e depois se dizer
pró-feminismo não cabe. Simplesmente, não cabe. Se você se diz
pró-feminismo, a atitude correta é jamais oprimir uma mulher pela
sua aparência, seja ela qual for. E isso vale inclusive pras
mulheres que estão dentro do padrão, e acabam oprimidas por serem
“bonitas demais”, e não terem sua inteligência reconhecida, por
exemplo. Parem de olhar pra mulheres como pedaços de carne, sem
cérebro. Escutem primeiro o que uma mulher tem a dizer, antes de
verificar se ela tem pelos nas axilas, ou não faz as sobrancelhas.
E NUNCA digam que uma
mulher que se recusa aos rituais de feminilidade é “masculina”
ou quer se parecer “com um homem”. Recusar as amarras da opressão
não significa querer se igualar ao opressor, muito pelo contrário.
Significa estar ciente de que meu sexo é obrigado a rituais que o
seu não é, e que eu recuso conscientemente esses rituais. Não usar
maquiagem, não me depilar, usar roupas compradas na “seção
masculina” não fazem de mim mais ou menos “masculina”, nem
mais ou menos mulher, mas sim mais ou menos ocupada em agradar ao
olhar masculino, que é o objetivo de todos esses rituais.
Mas, isso não dá a
você, homem, o direito de novamente nos dividir em “umas e
outras”, e só levar a sério mulheres que recusam a feminilidade.
Mulheres se obrigam a esses rituais pelos mais variados motivos, e
não cabe a você, homem, criticar as mulheres que se subordinam ou
não. Não vincule o que uma mulher diz ao fato de ela se submeter
aos rituais de feminilidade ou não. Uma mulher que usa maquiagem tem
tanto a dizer quanto uma que não usa. Uma mulher que está em cima
de um salto 15 tem tantas ideias quanto uma de tênis. Enfim, tente
fazer como naquele programa de aspirantes a cantores, e ESCUTE a voz
de mulheres, antes de verificar sua aparência, e encaixá-la nesta
ou naquela caixinha.
4. NÃO USE LINGUAGEM
MISÓGINA
Quase todos os
xingamentos usados, pra ofender tanto homens quanto mulheres, ofendem
as mulheres, antes de mais nada. Filho da puta, corno, mulherzinha,
viado, vai tomar no cu.
Mas, muitas mulheres
usam! Sim, muitas usam. Já vi cena de seriado em que a irmã chamava
o próprio irmão de filho da puta, ou seja, tava chamando a própria
mãe de puta! Isso porque o irmão dela tinha estuprado a filha dela,
ou seja, sobrinha dele. Muitas feministas mesmo, inclusive eu, têm
dificuldade em mudar sua linguagem, mas com um esforço consciente,
não é tão difícil, principalmente na linguagem escrita. Então,
se policie pra evitar isso. A cada vez que você escrever “filho da
mãe”, volte três casas e substitua por algo não misógino. Se
for na fala e não der pra voltar atrás, se policie pra não
acontecer de novo. Assim, devagar, sua linguagem vai mudando, sem
muita dificuldade.
Mas, é tão difícil
encontrar um palavrão não-misógino! Ótimo, sinal, então, de que
você já entendeu como usá-los é problemático e vai parar com
eles, né?
5. NÃO FAÇA E NÃO
RIA DE PIADAS MACHISTAS
Mas, é só uma piada!
Não, não é só uma piada. Piadas são parte do discurso usado pra
naturalizar opressões, pra que coisas inventadas pareçam naturais
ou biológicas. Mas, se você tem uma compulsão por fazer piadas,
faça piadas assim, ó: “um homem branco rico entrou numa
padaria...”, ou “um homem branco hetero e outro homem branco rico
estavam em um barco...”.
Ah, mas aí não vai
ter graça! Então, você admite que a graça está em debochar dos
mais fracos, né? Logo, acho que você já entendeu por que não pode
nem fazer, nem rir de piada machista.
6. NÃO CANTE MULHERES
NA RUA, NEM AS COMA COM OS OLHOS
Homens não cantam
mulheres na rua, ou as devoram com os olhos, como forma de elogio, ou
mesmo por um verdadeiro interesse naquela mulher em específico. Tá,
tudo bem que eu tenho uma ex-aluna que conheceu o marido no ônibus,
mas isso é exceção. Na verdade, com cantadas de rua, homens estão
dizendo pra aquela mulher “seu espaço é o doméstico e o meu é o
público. O preço que tu pagas por 'invadir' meu espaço é esse”.
É por isso, também, que se espalham nos bancos de ônibus, nos
espremendo contra a parede. É por isso, também, que chefes se
sentem no direito de cantar funcionárias. É por isso, também, que
motoristas de táxi se sentem no direito de cantar passageiras. É
por isso, também, que alunos se acham no direito de cantar
professoras, e professores, alunas. E alunos também se sentem no
direito de colocar suas mãos nas alunas o tempo todo, em sala de
aula, no recreio etc. É o homem falando na cara da mulher “você
está ocupando meu espaço, e eu vou fazer tudo que puder pra te
expulsar do espaço público, de volta pro espaço privado, eu vou te
fazer odiar seu próprio corpo, que 'atrai' essas cantadas, eu vou te
fazer ter medo de mim toda vez que sair na rua”. E o estupro nada
mais é que a consolidação máxima dessa mensagem. Então, sim,
você que olha pra mulheres assim na rua tem muito em comum com um
estuprador, sabia?
7. NÃO SEJA CAVALHEIRO
O cavalheirismo é,
provavelmente, a forma mais sutil de um homem colocar uma mulher “no
seu devido lugar”. É dizer bem baixinho, ao pé do ouvido, “você
é tão inútil, que é incapaz de abrir a própria porta ou puxar a
própria cadeira, você é um ser tão, mas tão inferior, que é
incapaz de carregar a própria bolsa” ou “você é tão delicada
e precisa da minha proteção, que não pode ouvir um palavrão,
então, quando eu falo um na sua frente, eu peço desculpas”.
Obviamente, não estou dizendo que todo homem que faz isso sabe que o
está fazendo. Não é algo consciente, mas, sim, enfiado na cabeça
deles desde cedo: “filho, quando uma moça for passar pela porta,
você deve abrir pra ela, porque é isso que faz um cavalheiro”.
Então, agora, que você já é adulto e já pode problematizar as
besteiras que teu pai te falava, pare de ser cavalheiro. Respeite as
mulheres como gente, em vez de as colocar num patamar inferior.
Isso não significa
dizer que você não deve ser GENTIL. Gentileza e cavalheirismo são
bem diferentes. E a diferença fundamental é: gentileza a gente faz
com QUALQUER PESSOA, e cavalheirismo só com mulheres. Exemplo: se
uma pessoa de 1,60 precisar pegar algo em cima do armário, você,
com 1,80, deve ajudar. Mas, você deve fazer isso por qualquer ser
humano de 1,60 e não apenas por mulheres de 1,60. Você pode
continuar abrindo portas pra qualquer um, desde que seja PRA QUALQUER
UM, e não apenas pra mulheres. Ajude os idosos, homens ou mulheres,
ajude as crianças, homens ou mulheres. Ajude quem for, SEM SE
COLOCAR NUMA POSIÇÃO SUPERIOR.
8. NÃO CONSUMA
PORNOGRAFIA OU PROSTITUIÇÃO
Pornografia e
prostituição são duas facetas da cultura do estupro em que
vivemos, que são, muitas vezes, consideradas inofensivas, e talvez
por isso mesmo sejam tão perigosas. A pornografia ensina aos
meninos, cada vez mais cedo, que mulheres gostam de ser mal tratadas
e abusadas, e ensina isso às meninas também, o que é ainda pior!
Assim, meninas crescem achando que, se não fizerem aquilo tudo,
serão “trocadas” por outras que façam, crescem acreditando na
falsa ideia de “liberdade sexual feminina”, que só beneficia
aos... homens! Já os meninos crescem e viram homens que pagam
prostitutas, pra cometer contra elas todo tipo de abuso que, muitas
vezes, as namoradas ou esposas não estão dispostas a fazer. Ou, até
estão, mas eles gostam de uma variedade também.
9. NÃO ESTUPRE OU
ABUSE DE MULHERES
Ah, mas isso é óbvio.
Nem tanto... Não estou falando só daquele estupro em que o macho
fica atrás de uma moita, esperando uma moça passar, na rua deserta,
pra atacá-la. Em geral, esse tipo de estupro tem a crítica de
vários homens também, quem diria! Tô falando daquele estupro mais
sutil, daquele “amigo” que se aproveita da amiga bêbada na festa
(quem mandou beber?), daquele “amigo” que se aproveita da amiga
que resolveu dormir na casa dele, por ter medo de voltar pra casa
tarde da noite (se dormiu na casa de homem, é porque tava querendo),
daquele “amigo” que acha que “quando mulher diz não, tá
querendo dizer sim”, daquele “namorado” que pressiona a
namorada virgem pra transar porque ela “não é mais criança” e
“ele tem necessidades”, enfim, todos esses estupros sutis do dia
a dia.
E não falo apenas de
abuso físico, que com esse muitos homens também não concordam.
Falo daqueles abusos também sutis do dia a dia, do gaslaite, do
mansplaining, e todos esses nomes difíceis em inglês, mas que, na
verdade, descrevem problemas bem brasileiros mesmo; falo da
manipulação psicológica que TODA mulher já sofreu e TODO homem já
praticou, seja em relacionamento amorosos, ou de trabalho, amizades
etc. Se você quer saber o que vocês fazem com as mulheres, muitas
vezes sem nem perceber, mais aqui:
http://www.cartacapital.com.br/blogs/escritorio-feminista/como-reconhecer-a-armadilha-de-um-relacionamento-abusivo-1323.html
10. ESCUTE AS MULHERES
Dizer que quer dialogar
com as feministas radicais e bloqueá-las na net não é realmente
uma abertura ao diálogo, né? Dizer que quer diálogo, quando, na
verdade, quer impor sua opinião, também não é. Dizer que quer
diálogo, mas em que só o lado privilegiado fala, em vez de escutar,
também não é diálogo. Dizer que quer diálogo, mas explicar a
mulheres sobre sua própria vivência, em vez de ESCUTAR o que elas
têm a dizer sobre essa vivência, não, não é diálogo.
Um diálogo entre
membros de classes diferentes deve ser pautado pelo lado opressor
OUVIR o que o lado oprimido tem a dizer, antes de mais nada. Fazer
perguntas sinceras, e não apenas capciosas, também deve ser parte
desse diálogo. Ter paciência pra ouvir o outro lado, e pra aturar
toda a sua raiva, também. A raiva que mulheres muitas vezes têm de
homens é justificada, e não deve ser menosprezada pelos próprios
causadores – direta ou indiretamente – dessa raiva.
E, quando uma mulher te
excluir do debate sobre feminismo, JAMAIS diga que ela está te
segregando, porque em nenhum lugar desse planeta, mulher tem poder
pra segregar homem. Qualquer mulher tem o direito de excluir homens
privilegiados de seus espaços, pois isso é uma estratégia de
sobrevivência e manutenção da nossa sanidade mental. É pura falsa
simetria se vitimizar e achar que você foi o excluído, a vítima.
Ainda mais, se você pretende bloquear outras mulheres
posteriormente, né, kiridinhu?
Então, amigo, ou
ex-amigo (porque, no meio tempo em que escrevia esse texto, o ser
humano do sexo masculino que o inspirou bloqueou todos os contatos
comigo), que quer realmente AGIR em prol do feminismo, e não apenas
APARECER às nossas custas, se você fizer metade dessas coisas, a
gente já terá muito a agradecer (apesar de serem apenas ações
decentes, que qualquer ser humano deveria fazer). Ah, não se
esqueçam também da dica número
11. CRITIQUE SEUS
AMIGOS QUE FIZEREM QUALQUER UMA DAS 10 COISAS ACIMA!
Xi, mas aí eu serei o
chato do rolê! Será mesmo, e, se você não quer pagar nem esse
pequeno preço, então, você acha mesmo que pode fazer parte do
feminismo?