quarta-feira, 24 de junho de 2015

PELO DIREITO DE SER "GROSSA"

Uma moça está triste, chorando, num ônibus. Um rapaz diz que não gosta de ver mulheres tristes e lhe oferece um chocolate. Ela fica menos triste, e depois escreve um texto agradecendo a esse rapaz na net, mesmo não o conhecendo.

No post dela, muitos comentam como ela atrai boas coisas, por ser boa, como ele estava também sendo bom, e mais um monte de coisa paz e amor desse tipo.

Uma mulher comenta que, estando na mesma situação, reagiria de outra maneira, pois não gosta desse tipo de invasão do seu espaço, e muito menos que coloquem a mão nela. Ela comenta que vê isso como uma imposição do mundo machista, em que mulheres têm que 1. estar sempre felizes pra enfeitar o mundo; 2. aceitar qualquer gentileza de homem, com um sorriso no rosto, mesmo que aquele homem esteja invadindo seu espaço. Além disso, ele poderia ter segundas intenções, como abusar da moça distraída com o próprio choro, o que não é nada de incomum, acontece todo dia.

Chovem comentários de homens e mulheres ridicularizando a mulher que fez o comentário acima. É louca. É ridícula. Está de mal com o mundo. É mal comida. É mal amada. Ele só queria ajudar.

A mulher ainda se dá ao trabalho de argumentar que, independente das intenções dele, que ela não tem o dever de ser fofa, e que, na mesma situação, qualquer homem faria o que ela faria, nenhum homem jamais aceitaria esse tipo de abordagem, vinda de outro homem, num ônibus.

Os comentários continuam no mesmo ritmo, com o mesmo conteúdo: louca, mal amada, “feminismo radical é pior que machismo”.

A mulher desiste de argumentar e sai da conversa se perguntando pra que continuar vivendo nesse mundo de bosta. A mulher senta e escreve esse texto.


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Um rapaz está triste, chorando, num ônibus. Outro rapaz diz que não gosta de ver homens tristes e lhe oferece um chocolate. O primeiro rapaz mete a mão na cara do rapaz do chocolate, e escreve um texto na net desabafando, dizendo que hoje em dia não se pode nem mais ficar triste sem que seu espaço seja invadido. E ainda diz que o outro devia ser viado, e queria alguma coisa com ele.

No post dele, muitos homens e mulheres comentam como ele fez o certo, que é um absurdo alguém não respeitar o seu momento de choro, e ainda por cima dizer que não gosta de ver homem chorando. Homem pode chorar sim, quando quiser. Além disso, ele poderia ter segundas intenções, como roubar o rapaz distraído com o próprio choro, ou até seduzi-lo.

Um homem comenta que, na mesma situação, teria sido gentil com o rapaz, que ele só queria ajudar.

Chovem comentários ridicularizando esse homem. Você é um banana. Só pode ser viado! Não vê que o outro tava invadindo o espaço dele? Não vê que devia ter segundas intenções? Como alguém pode ser tão ingênuo nesse mundo e achar que se deve retribuir a esse tipo de abordagem de um estranho com um sorriso? E, mesmo que ele não tivesse segundas intenções, ninguém tem o direito de interromper o choro alheio assim, e ainda dizer que não gosta de ver homem triste! Como assim?

O homem ainda se dá ao trabalho de argumentar, dizendo que é um direito dele ser gentil com os outros.

Os comentários continuam no mesmo ritmo e com o mesmo conteúdo: viado, banana, ingênuo, depois morre e não sabe por quê.

O homem sai da conversa convencido de que, realmente, o outro poderia ter segundas intenções e é melhor ser cauteloso mesmo. Ou, de qualquer forma, ele não quer ser chamado de viado na net, então melhor ficar calado.

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Qual dessas duas histórias é verdadeira? Quem foi ridicularizada apenas por dizer que se comportaria exatamente como é esperado que um homem se comporte? E por que essa pessoa foi ridicularizada? Por que não é dado à mulher o direito de reagir com grosseria a uma abordagem igualmente grosseira, mesmo que disfarçada de fofurice? Por que não é dado à mulher nem o direito de desconfiar das intenções de um homem, se vivemos num mundo em que homens fazem esse tipo de coisa e usam esse tipo de discurso todo dia, com intenções outras que não apenas tirar alguém da sua tristeza? Enfim, por que mulheres que são “grossas” são ridicularizadas, e homens “grossos” são assertivos? Por que homens que desconfiam de segundas intenções são cautelosos, e mulheres que fazem o mesmo são loucas ridículas? E, finalmente, por que não nos é dado o direito ao nosso próprio espaço como a eles é dado?


Não precisam responder, porque eu sei exatamente as respostas pra tudo isso, mas tô tão cansada que não vou desenvolver mais esse texto aqui.  

domingo, 21 de junho de 2015

A SUPER PICA MILAGROSA E SALVADORA ou CALA A BOCA, BOECHAT!

Recentemente, o jornalista Ricardo Boechat resolveu dizer umas verdades pro pastor-deputado, Silas Malafaia. E dentre essas verdades está uma inegável: Boechat é tão misógino quanto seu aparente adversário. Ao dizer que Malafaia é ladrão e homofóbico, e até aí tava indo muito bem, Boechat resolveu estragar tudo com uma típica omice: disse que Malafaia precisava de uma rola, tornando-se assim tão desprezível quanto seu interlocutor. Aparentemente, pro Sr. Boechat, e pra muita gente que concordou com ele, 1. homens homofóbicos são, na verdade, gays enrustidos; 2. rolas resolvem todos os problemas do mundo, inclusive homofobia.

O interessante é observar que o próprio discurso de Boechat é homofóbico! Como? Simples. Pra xingar Malafaia, Boechat disse que ele precisava de uma rola, ou seja, Boechat disse que ele é gay, e “do pior tipo, o passivo”. Se, pra xingar Malafaia, Boechat o chama de gay, é porque o próprio Boechat acha ruim ser gay! Logo, ele também é homofóbico. Mas, esse ponto da crítica deve ser feito pelo movimento gay e não pelo feminismo, que já tem muito com o que se ocupar. Inclusive com a misoginia do Sr. Boechat, a outra consequência lógica de seu discurso. Só é considerado xingamento ser chamado de gay, porque gays são associados a mulheres, principalmente os “gays passivos, que precisam de rola”. Então, ao proferir sua ofensa homofóbica, o Sr. Boechat foi também misógino.

Isso só mostra que a cabeça do Sr. Boechat funciona mais ou menos da mesma maneira que a daquele que critica. Isso não é tão surpreendente, já que ambos foram educados por essa mesma sociedade misógina e homofóbica. A diferença é que o Sr. Malafaia é um misógino escancarado, e o Sr. Boechat finge que não é. Por isso, pra mim, este é talvez até mais perigoso que aquele, porque o inimigo que não identificamos como inimigo é sempre o mais difícil de combater. Boechat está tão preocupado em ser fiscal de cu alheio quanto Malafaia. Se este não acha certo homens enfiarem suas rolas nos cus de outros, aquele acha que homens enfiando suas rolas nos buracos alheios resolvem todos os problemas do mundo. De semelhante entre eles, a opinião de que mulheres são seres inferiores por não terem esse órgão mágico: a super pica milagrosa e salvadora!


Não é à toa que feministas e/ou lésbicas escutam diariamente que seu problema é falta de rola. Tanto feministas quanto lésbicas são vistas como “odiadoras de homens”, e isso só pode ser fruto de um trauma relacionado à pica, porque como podem ser as únicas pessoas no mundo a não venerar, acima de tudo, a super pica milagrosa e salvadora? Só podem ser doentes ou ainda não encontraram a rola certzzzz...

Infelizmente, não podemos apenas rir disso, apesar de ser hilário, porque essa veneração à super pica leva não só a esses delírios engraçadíssimos de ler, mas também a inúmeras violências, entre elas o estupro corretivo. Lésbicas são estupradas diariamente pela super pica milagrosa e salvadora, pra aprenderem o que é bom. Na mesma semana em que o Sr. Boechat ovacionou a super pica em rede nacional, uma menina de 14 anos sofreu estupro corretivo por ser lésbica. Alguns estupradores realmente acreditam que estão fazendo um bem pra essas mulheres. E por que não acreditariam, se cresceram numa sociedade que venera a super pica milagrosa e salvadora? Por que não achariam que fazem um bem, se homens de respeito aparecem em rede nacional dizendo que a pica salva tudo e todos? Ou seja, a mesma lógica da falta de rola usada pelo Sr. Boechat contra o Sr. Malafaia, é a lógica usada por estupradores pra justificar sua violência contra mulheres lésbicas. Logo, o Sr. Boechat não é só homofóbico e misógino, ele também fez, mesmo que involuntariamente, apologia ao estupro corretivo. E, consequentemente, também contribuiu pra cultura do estupro que reina em nossa sociedade. Como convencer um estuprador de que o que ele faz é errado, se o “homem de bem que apresenta o jornal da TV vestindo terno e gravata” também acredita que picas resolvem tudo?!

Por tudo isso, acredito que o Sr. Boechat está perdendo tempo no jornalismo. Ele já poderia ter resolvido todos os problemas do Brasil, e quiçá do mundo, com sua ideia! Basta ele mexer seus pauzinhos com as autoridades que conhece, que não são poucas, pra mandarem um exército de picas salvadoras pra qualquer lugar onde haja problemas sociais e/ou catástrofes naturais. Poderiam começar pelas UPPs no próprio Rio de Janeiro, expandir pras periferias de todas as cidades grandes brasileiras, e internacionalizar, mandando picas salvadoras pro Oriente Médio, pro Afeganistão e pra onde mais houver problemas nesse mundo. Mas, pensando bem, não são os próprios portadores de pica que levaram o mundo a ser a merda que é? Então, elas não são tão salvadoras assim? Hum, alguém avise ao Sr. Boechat, antes que ele bosteje pela boca de novo. Sr. Boechat, a merda deve sair pelo outro lado, por aquele orifício onde, segundo o senhor, se uma pica for enfiada, todos os problemas do mundo se resolvem. 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

JOGO DOS 7 MIL ERROS - 15-17


ERRO NÚMERO 15: MULHER NÃO PRECISA DE HOMEM 2

Antes de mais nada, o óbvio: mulher não precisa de homem. Já falei disso antes, mas vamos lá de novo... Mulheres são socializadas, desde que nascem, pra realmente acreditarem que precisam de um homem. Toda a sociedade gira em torno de dizer pra mulher que ela é uma inútil se não tiver um homem ao seu lado. Isso não ocorre com homens. Solteirão não tem a mesma conotação que solteirona. Dificilmente alguém diz também que um homem está encalhado. Se um homem está sozinho, as pessoas supõem que é porque ele quer, ou porque não aturou a chata da última mulher que esteve com ele. Se uma mulher está sozinha, esta nunca é a suposição. A suposição é sempre que o homem que não aturou a chatice dela, que ela não conseguiu "segurar" o homem. Ou dizem também, acabei de saber, que ela é fria e tem o coração de pedra! A enorme maioria das mulheres acaba acreditando nisso, até sem perceber. E muitas sofrem por nunca terem casado e/ou por estarem sozinhas. Mas, não porque a solidão realmente incomoda, e sim porque os julgamentos, as perguntas inconvenientes, as piadinhas incomodam. E, assim, acreditamos que estaríamos realmente mais felizes junto com um homem. Mesmo quando ouvimos tantas notícias de feminicídio, violência contra a mulher pelo próprio parceiro, ainda assim achamos que seria melhor ter um homem ao nosso lado. Não tinha até uma peça de teatro chamada "Não sou feliz mas tenho marido"? Mas, uai, o marido não era a condição necessária pra ser feliz? Então, nos enganaram a vida toda?!

Além disso, o post esquece totalmente da existência de mulheres lésbicas. Aliás, não é de se estranhar, já que lésbicas são um dos grupos mais apagados e silenciados em nosso mundo. O post provavelmente supõe que, se uma mulher é lésbica, deve ser algum trauma, ou porque ainda não encontrou o homem ideal. O mundo não admite a existência de mulheres que não querem nada com homens. O mundo não supõe isso sobre homens. Já viu alguém dizer pra um homem gay que ele é gay porque não encontrou a mulher ideal? Jamais. Acho até que muito homem hetero tem inveja dos gays, que não precisam aturar a chatice de mulheres.

ERRO NÚMERO 16: AUDREY HEPBURN NÃO É SÓ UMA CARINHA BONITA

Parem de futilizar a imagem de Audrey Hepburn. Essa mulher cresceu na Segunda Guerra Mundial, época em que chegou a passar fome, o que fez com que fosse sempre muito magra e com que não crescesse muito em altura. Fez parte da resistência, apesar de ser apenas uma adolescente, e usava sua bicicleta e sua aparência de inofensiva pra levar e trazer mensagens daqueles que se escondiam dos alemães. Também dançava em espetáculos pra ganhar dinheiro pra resistência. Ela era bailarina então. Como nunca seria uma primeira bailarina (não devido ao talento, mas a seu porte físico muito franzino, devido às condições em que viveu durante a guerra), acabou migrando pro teatro e depois pro cinema, em que ficou mundialmente famosa. Não bastando, no fim da vida, ainda foi embaixadora da Unicef, e ajudou milhares de pessoas no mundo todo. Morreu muito, muito cedo, aos 64 anos.

E hoje deve estar se revirando no túmulo com o tanto de mensagem fútil que publicam usando sua imagem!

ERRO NÚMERO 17: MULHERZINHA NÃO É OFENSA

O que seria um homem mais homem que uma mulher? Eu sempre achei que todo homem era mais homem que qualquer mulher, e toda mulher era mais mulher que qualquer homem. Assim como todo abacaxi é mais abacaxi que qualquer maçã, e toda maçã é mais maçã que qualquer abacaxi. A diferença é: entre abacaxis e maçãs não há nenhuma hierarquia social. São frutas diferentes, que nascem em lugares diferentes e não têm nada a ver uma com a outra (Embora abacaxi em inglês seja pineapple, e maçã, apple, vai saber por quê.). Você pode gostar mais de uma do que da outra e isso é algo totalmente pessoal.

Mas, entre homens e mulheres existe uma hierarquia social, e ao afirmar o que afirma, o post ajuda a naturalizar essa hierarquia. Um homem mais homem que uma mulher quer dizer um homem que não faça o que mulheres fazem, que não seja fresco, que não chore à toa, que não seja chato, que seja forte fisicamente, e tenha habilidades que as mulheres não se preocupam em desenvolver, não porque não possam, mas porque "é coisa de homem". Ter um homem mais homem que você significa não precisar ser forte, poder chorar quando quiser, poder ser fresca, não precisar saber consertar a máquina de lavar, como se 1. Toda mulher fosse sempre assim, 2. Toda mulher quisesse ser assim, 3. Toda mulher não pudesse ser assim sem, pra isso, precisar de um homem, e 4. Ser assim (chata, chorona, fraca) fosse algo intrinsecamente ruim e que naturalmente pertencesse ao sexo feminino.

Vamos focar no ponto 4. Ser fresca, chata, fraca não é algo que nasce com as mulheres. É algo que aprendemos durante nossa socialização, desde o berço, enquanto os meninos aprendem a ser sem frescuras, sem chatices, fortes. Aprendemos a gritar, quando vemos uma barata, eles aprendem a correr atrás dela e matá-la. Aprendemos a levar horas nos arrumando, pra ficarmos perfeitas como a sociedade quer, enquanto eles aprendem que não estar fedendo é suficiente. Aprendemos a discutir nossos sentimentos (chatice), enquanto eles aprendem a se fechar. Aprendemos que subir no telhado, consertar coisas, até trocar lâmpada é coisa de homem, e acabamos nos tornando umas inúteis em nossas próprias casas. Aprendemos que certos trabalhos exigem força masculina, como carregar peso. Aliás, aprendemos até que não podemos abrir uma porta ou puxar uma cadeira, deixem isso pro cavalheiro! Enquanto isso, eles aprendem que abrir portas e carregar peso pra mulheres é um ato nobre, cavalheirismo, e não apenas machismo e diminuição de nossas capacidades. Vejam como a coisa é sutil e bem engendrada: a gente aprende a fazer escândalo por causa de barata e, quando fazemos, somos chamadas de frescas! Aprendemos a ficar horas nos arrumando e, quando conseguimos, escutamos que mulher é fútil. Não aprendemos a consertar coisas e, por não sabermos, somos chamadas de inúteis. Aprendemos a não desenvolver a força física, porque quem vai querer ficar com uma mulher musculosa, que briga na rua? E, assim, somos chamadas de fracas e dependentes. Aprendemos a ser tudo aquilo que será usado contra nós, não é brilhante?

Além disso, ao falar de um homem mais homem que ela, usa-se a palavra homem como substantivo e como adjetivo. O adjetivo homem é sempre usado de maneira positiva, pra falar de algo que queremos ser: fortes, decididos, sem frescura. Seja homem! Já a palavra mulher, quando usada como adjetivo, é sempre negativa. Uma mulher que é muito mulher é fresca, chata, fraca. Mu-lher-zi-nha! Aliás, mulherzinha é usado como ofensa, seja contra mulheres, seja contra homens. Por isso, ninguém diz que todo homem precisa de uma mulher mais mulher que ele, porque isso não seria elogio, mas ofensa. Enfim, ser um homem muito homem é algo duplamente bom; ser uma mulher muito mulher é algo duplamente ruim.


E, o mais absurdo, o adjetivo homem só é algo ruim em uma situação: quando aplicado ao substantivo mulher. Uma mulher que é muito homem não é legal, ninguém vai querer ficar com ela, é mal amada, mal comida, infeliz, revoltada. Uma aberração. Como ousa? Nesse caso, não importa que a mulher seja muito homem na aparência ou na personalidade. Ambas sofrerão. Mulheres de aparência masculina são discriminadas. Mulheres que até têm aparência feminina, mas atitude “de homem”, também são discriminadas. Mulher não pode falar alto, não pode defender suas ideias com determinação, não pode ter voz. Em outras palavras, ser homem é algo muito bom, desde que você não tenha nascido mulher. Porque aí, só te resta te manter na tua insignificância e arrumar um homem que seja muito homem pra cuidar de ti. 

domingo, 14 de junho de 2015

DESCONSTRUINDO A PEDOFILIA NOSSA DE CADA DIA

Recentemente, voltou, de novo, à tona, a história de uma cantora brasileira, que namora um cantor, 15 anos mais velho. Não vou citar nomes, pra expor o mínimo possível a mulher em questão. Dá pra falar disso sem falar nela, muito menos postar fotos dela de biquini! Mas, não dá pra simplesmente ignorar a situação e não falar nisso. Não podemos continuar não falando na glamourização de relacionamentos pedófilos e abusivos, em nome de uma liberdade de escolha individual e agência que, na realidade, não existem. Não podemos ter medo de sermos chamadas de puritanas, o que não tem nada a ver com isso, mas nos chamarão. E dirão que somos mal comidas, mal amadas e é tudo falta de rolzzzz...

Muitas mulheres mesmo argumentam que temos que ouvir a mulher em questão, que ela que sabe do relacionamento dela, que estamos nos metendo onde não fomos chamadas. Mas, eu aqui não tô falando mais dessa mulher, não vou citar o nome dela. Vou falar do que é NORMA em nossa sociedade, de como somos criadas pra exaltar a pedofilia latente, e muitas vezes patente, em nossa sociedade. Mas, vão insistir, conhecem meninas que têm bons relacionamentos com homens mais velhos. Embora eu custe a acreditar, esse texto também não é sobre as possíveis exceções, é sobre a NORMA, sobre o que é naturalizado e NORMALizado pra parecer natural. Justamente pra gente não ver que não é, que tem algo errado ali, pra não nos opormos ao que, no fim das contas, só beneficia... homens!

Nossa sociedade é toda voltada pra exaltação da juventude, e isso atinge mais pesadamente as mulheres. Homem velho é “maduro”. Mulher velha é “velha” mesmo. Homem grisalho é charmoso. Mulher grisalha é relaxada. Solteirão é positivo, solteirona é negativo. Existe a novinha, mas existe o novinho? Não. Vivemos numa época que adultiza e hipersexualiza meninas, e infantiliza mulheres adultas, tudo pra satisfazer ao olhar pedófilo masculino. Meninas de 12 anos se vestem e se portam “como adultas”, enquanto mulheres de todas as idades lutam pra parecerem sempre mais jovens do que são. Assim, se uma menina de 12 anos vai parar nas mãos de um velho de 40, uai, a culpa é dela! Olha só pra ela! Alguém diz que só tem 12? Ela me enganou, disse que tinha 18. Tadinho, ele não percebeu que uma criança de 12 não tinha 18. Ele não percebeu que, mesmo que tivesse 18, seria grotesco! Do outro lado, tratamentos pra pele, depilação, maquiagem, roupas de bichinhos: tudo voltado pra fazer mulheres adultas se parecerem com crianças. Fantasias de colegial, filmes pornôs com atrizes de maria-chiquinha e meia colorida até o joelho! Aliás, o único nicho pornô em que as atrizes não têm peitos enormes: esse que as faz se parecerem mais novas, então precisam de atrizes “com corpo de criança”. Dessa forma, o velho que tem “coragem” de enfrentar as possíveis consequências de ficar com uma de 12, fica. E o que não tem, se satisfaz com uma mulher de 20 ou 30 e poucos, mas que faz o que pode pra parecer que tem 16.

Na história, são tantos casos de mulheres casadas e envolvidas com homens velhos, ou melhor, homens velhos que sistematicamente buscaram/buscam relacionamentos com mulheres mais novas, muitas vezes menores de idade: Charles Chaplin, Hugh Heffner, Michael Douglas, Jerry Lee Lewis, Frank Sinatra, Mick Jagger, Woody Allen, Jô Soares... Sem falar nos casais ficcionais, como o grisalho Richard Gere e a Julia Roberts de Uma Linda Mulher, a jovem Flávia Monteiro e Reginaldo Faria, em A Menina do Lado, Cary Grant e Audrey Hepburn em “A Princesa e o Plebeu”, Alan Harper e Candi em “Two and a Half Men”, a Lolita, de Nabocov e do filme de Stanley Kubrick, uma penca deles em filmes do Woody Allen, em quase todas as novelas com o José Mayer, Kirsten Dunst e os vampiros de “Entrevista com o Vampiro” (nunca entendi muito bem aquela relação ali, mas muito estranha de qualquer jeito)... Eu estudava na mesma escola que a Flávia Monteiro na época, e todos os alunos da série dela ganharam ingresso pra ir ao cinema ver o filme, foram todos juntos. Foram se orgulhar da colega de escola que começava a ficar famosa, e foram também julgar e falar mal da atriz, numa confusão com a personagem – como se alguma das duas devesse ser julgada. Recentemente, Hollywood preteriu Maggie Gyllenhaal pra um papel, por estar muito velha pra ser amante de um homem de 57 anos. Ela tem 37. Não seria crível um homem de quase 60 com uma amante de quase 40! Agora, deem exemplos de mulheres mais velhas com homens mais novos. São pouquíssimos. E TODAS foram massacradas na época, ou ainda são. Susana Vieira que o diga! Na ficção, também, são poucos exemplos de filmes, novelas que falem disso e, quando falam, ainda é motivo de escândalo, o que já não acontece mais quando se trata de homens velhos com meninas, sim, MENINAS novas.

Ah, mas mulher amadurece mais cedo que homem! Sim, e isso só ocorre porque muito mais é exigido de mulheres, muito mais cedo. Têm que ajudar em casa, cuidar dos irmãos mais novos e são forçadas a amadurecer. Na escola, também se espera muito mais das meninas, tanto em termos de nota, quanto de comportamento. Tolera-se muito de meninos de 15-18 anos, tolera-se uma enorme imaturidade, mas não das meninas. Eu vejo diariamente como meninos nessa idade são bobos demais, e o mesmo nível de tolice não é tolerado das meninas, nem pelos professores, nem pelos responsáveis. Além disso, e principalmente, essa maturidade das meninas não se trata de maturidade sexual, nem mesmo emocional. É uma falsa maturidade, relativa apenas ao desempenho de tarefas domésticas e ao desempenho escolar.

Meninas não são mais maduras emocionalmente que meninos, e principalmente não são mais maduras que homens com o dobro de suas idades! Meninas são pressionadas a fazer sexo, quando não se sentem preparadas e, em geral, isso não é problema pra homem nenhum, de nenhuma orientação sexual, de nenhuma idade, desde que não sejam crianças, óbvio. Meninas são pressionadas a seguir padrões impostos pelos parceiros, e como ela vai desafiá-lo, se ele é mais velho e, aos olhos dela, sabe de tudo? Meninas acreditam em amor romântico, príncipe encantado, e têm pouca experiência pra separar o joio do trigo, pra diferenciar um mentiroso de alguém sincero, por exemplo. Até no lado prático, meninas ainda não decidiram que carreira seguir ou onde estudar, e estar num relacionamento assim pode levar a decisões precipitadas, baseadas em ilusões, ou baseadas em pressão do homem mesmo. Quantas meninas envolvidas com homens velhos param de estudar? Ou param de trabalhar, pra serem sustentadas e, assim, mais facilmente manipuladas? Quantas meninas têm a ilusão de que, se “derem um filho ao homem” de suas vidas, ele nunca irá embora? E ainda serão julgadas como interesseiras, óbvio. Isso pode acontecer com mulheres de qualquer idade? Sim. Mas, acontecerá muito mais facilmente com meninas envolvidas com velhos. Ou, pelo menos, dará a eles a chance muito maior de manipulá-las. Elas estarão provavelmente num estado de deslumbramento, por terem “conquistado um cara mais velho”, que, quando perceberem a manipulação, será muito mais difícil mudar, principalmente se pararem de estudar, trabalhar, saírem de casa, ou tiverem filhos, pensando apenas no amor. Uma novidade pra vocês, meninas: vocês não conquistaram nada, vocês não impressionaram o velho babão, porque são mais maduras ou inteligentes que outras meninas, não é disso que eles estão atrás! Vocês os impressionaram apenas porque têm corpos mais jovens, como eles gostam, e porque são mais fáceis de manipular. É você que é o troféu pra ele, e não o contrário!

Mas, isso é muito etarismo. Você está discriminando mulheres mais novas, dizendo que são incapazes de tomar decisões. Em primeiro lugar, não são mulheres ainda, são crianças, jovens. Isso não é uma ofensa, é uma constatação. E, mesmo assim, não, não são incapazes. Pode haver, sim, um casal assim, em que exista respeito e uma boa relação? Pode. Eu acho extremamente difícil, mas pode. Eu não conheço todos os casais do mundo pra saber. De qualquer forma, eu não tô falando pra nenhuma mulher mais nova em específico ou de nenhum casal em específico, e sim pra todas, e de como é a NORMA em nossa sociedade. De como as coisas são estabelecidas pra NORMALizar esse tipo de relação, pra que não se façam críticas, ou pra que as críticas sejam tachadas de puritanas e mal comidas, ou etaristas.

Aliás, é importante lembrar aqui que esse argumento do etarismo surge exatamente quando surge a necessidade de se justificar essas relações. Antes do século XIX, o mundo estava pouco se lixando pros direitos das mulheres ou das crianças, e mais ainda das meninas. Sendo assim, era comum casar crianças do sexo feminino, de 12, 14 anos, com velhos de 40, 50. Todo mundo já viu pelo menos um exemplo em novelas ou livros. Era comum. Ninguém reclamava. Porque às mulheres não era dado o direito de reclamar, e às crianças muito menos. Já as meninas que nasciam escravizadas eram estupradas por seus senhores, ou capatazes, aos 12, 14 anos, e ninguém se importava também, porque escravos nem gente eram considerados, e uma gravidez geraria um novo escravo, mais lucro pro senhor. Também é bom lembrar que isso AINDA é assim em grande parte do mundo. Recentemente, a notícia do campo de treinamento sexual pra meninas em algum país da África foi polêmica, embora lá seja a NORMA e não exceção esse tipo de casamento. Volta e meia aparece notícia de “menina de 8 anos morre na lua de mel” em consequência do sexo que seu corpo não tava preparado pra aguentar! No entanto, no ocidente, mulheres e crianças já conquistaram direitos legais, pelo menos nessa área. Então, foi necessário ao discurso do patriarcado criar a ideia de que quem critica essas relações PEDÓFILAS está sendo “etarista”, que meninas de 14 anos já sabem muito bem o que fazem, que elas têm de ser ouvidas, sim.

Engraçado... Se uma menina de 14 anos for acusada de um crime, ela não responde por ele como uma adulta (e tem que ser assim mesmo); se ela quiser dirigir um carro, ela terá que esperar 4 anos; se ela quiser votar, terá que esperar 2 anos; se ela quiser trabalhar, só poderá como aprendiz, e há regras rigorosas pra que não se explore o trabalho infantil (embora ele siga sendo explorado, mas isso é outra história). MAS, “milagrosamente”, sobre se envolver com velhos com idade pra serem seus avôs, aí meninas de 14 anos são super maduras e “merecem” agência e voz. Quem fala contra estaria “silenciando” essas meninas. Reparem que dificilmente achariam a mesma coisa de um menino de 14 anos que se envolvesse com uma mulher de 35. Aí, as críticas recairiam sobre a mulher, ela seria a “louca que seduziu um menino com idade pra ser seu filho, porque tem alguma questão mal resolvida com o próprio pai” ou algo assim. Mas, homens têm passe livre pra fazer isso, e ainda colocam a culpa na menina de 12 anos que fingiu ser mais velha pra seduzir o velho! Tadinho!


Eu não estou silenciando essas meninas. Eu estou justamente dizendo pra elas que elas não devem se calar sobre seu abuso. Tô dizendo que, se elas não quiserem mais ficar num relacionamento assim, que é ok, que elas não têm que aceitar qualquer coisa de um sujeito só porque, sendo velho, ele sabe “o que é melhor pra ela”. Ele sabe o que é melhor pra ele, isso sim! Tô dizendo que elas não são imaturas por rejeitarem um relacionamento desses, ou por saírem dele, que elas não estarão largando o “único homem que viu nelas mais do que uma criança”, porque o que aquele homem viu nelas não foi nada ALÉM de uma criança! Tô dizendo que elas não têm que aceitar isso, apenas porque leram num site feminista (liberal) que é cool ter liberdade sexual, que ser feminista é fazer o que quiser com o seu corpo, mas que, no fundo, ela nunca fez o que quis, mas o que ELE QUIS, e nunca teve com quem compartilhar suas dúvidas e medos, pois suas amigas, até as feministas (liberais), a chamariam de puritana. É isso que eu tô dizendo e é pra essas meninas que tô falando. Se isso tá incomodando muitos homens, e fazendo muitas meninas pensarem sobre as mentiras que nos contam, então devo estar no caminho certo. 

quarta-feira, 10 de junho de 2015

JOGO DOS 7 MIL ERROS - 13 e 14


ERRO NÚMERO 13: MULHER NÃO PRECISA DE HOMEM

Nesse caso, o post tá certo, o erro tá mesmo nos homens acreditarem que o mundo gira em torno deles, que toda mulher precisa de um homem pra ser feliz. Desçam do salto, porque tá feio. Embora haja, sim, uma enorme pressão social pra mulheres se sentirem assim, não há nada de realmente irresistível em vocês que justifique isso, muito pelo contrário. Tenho certeza de que alienígenas ficariam bolados, pensando “por que esses seres superiores dão tanta bola e poder pra esses seres inferiores?” E não preciso dizer quem é quem. Ficção científica à parte, essa “necessidade” das mulheres surge de nossa socialização, toda voltada pra acreditarmos no nosso fracasso se não tivermos um homem (assim como a de vocês é voltada pra acreditarem que são o centro do universo). Aliás, essa suposição também ignora o fato de que algumas mulheres são lésbicas e nem pensam em se relacionar com homens, muito menos em precisar deles. E, não, não é porque têm trauma, odeiam homens, ou não encontraram o certo ainda. É porque simplesmente não gostam e não querem se relacionar com homens, por mais inacreditável que isso possa soar pra um indivíduo do sexo masculino.

ERRO NÚMERO 14: SONHO É OUTRA COISA

Mais uma vez, os delírios de emagrecimento a que somos levadas. Tenho certeza de que, se uma mulher se encontrasse num programa de auditório, ou encontrasse um gênio da lâmpada, e pudesse realizar QUALQUER SONHO, que o de muitas seria realmente poder comer sem engordar. Então, o post tá certo, oras! Não tá, porque não problematiza por que uma mulher preferiria poder não engordar a se tornar milionária, ou viajar ao redor do mundo, ou ter sucesso na carreira, ou resolver o problema da fome, ou QUALQUER OUTRA COISA. É muito triste que diante da possibilidade de realizar QUALQUER COISA na vida, uma mulher escolheria não engordar.

Mas, você está levando o post muito ao pé da letra. Óbvio, estou exagerando pra ilustrar meu argumento. Mas, não duvido que muitas mulheres escolheriam isso, sim, ou outros objetivos ligados à aparência. E mesmo no sentido figurado, não é triste que mulheres compartilhem isso e, novamente, ajudem a naturalizar a gordofobia e o preconceito que acaba atingindo a todas nós? A ela mesma?

Sonho é outra coisa. É estar viva pra ver o fim do machismo. É descobrir a cura do câncer. O teletransporte. É ir ao espaço. É se formar em Direito, e passar na prova na Ordem. É ter um livro publicado. É criar seus filhos e vê-los felizes. É correr a São Silvestre e chegar à linha de chegada. A gente pode sonhar com tanta, tanta coisa. Não há limites pro sonho. E, no entanto, muitas mulheres responderiam “comer sem engordar”.


domingo, 7 de junho de 2015

ERRO NÚMERO 12: MULHERES TAMBÉM BRILHAM SOB O SOL, E O SOL TAMBÉM BRILHA SOBRE ELAS

Este não chega a ser um erro, mas uma falta de acerto. 


Será que o Quino não poderia ter colocado pelo menos um nome feminino na tirinha? Será que não existe nenhuma mulher sobre a qual o sol já brilhou que pudesse inspirar a Mafalda? Será que Mafalda, uma menina, não poderia se ajoelhar perante outras mulheres? 

Ai, mas que exagero. Ele simplesmente não pensou em nenhuma mulher. Exatamente. Não pensou, porque a maioria das pessoas, inclusive mulheres, quando pensam em exemplos de vida ou sucesso em qualquer área, não lembram de mulheres, não incluem mulheres entre aqueles que admiram. Ele não pensou em incluir mulheres, mas toda vez que uma mulher tem que ser excluída de algo devido a seu sexo, ela será. Recentemente, um avaliador de um periódico científico pensou que seria apropriado dizer que não iria aceitar o artigo de duas pesquisadoras, e sugeriu incluírem um nome masculino entre os autores! Quando se pensa em mulheres, é só negativamente, não positivamente.

Mulheres precisam urgentemente de mais e melhores representações em todas as mídias, precisamos nos lembrar das poucas mulheres que se destacaram na história, apesar de tantas forças em contrário. Elas precisam aparecer mais, pra que as meninas de hoje, como a Mafalda, saibam aonde podem chegar. Elas precisam aparecer mais, pra que as dificuldades por que passaram pra chegar aonde chegaram também apareçam mais, e sejam combatidas daqui pra frente. Pra que as meninas de hoje não precisem mais enfrentar as mesmas dificuldades de séculos atrás. Pra que as pesquisadoras de hoje não precisem ler que seu artigo precisa de um nome masculino na autoria.

Mulheres, passem a se interessar mais pelo trabalho de outras mulheres. Busquem, pesquisem, mesmo que queiram esconder o máximo possível as façanhas de mulheres. Leiam mais autoras. Escutem mais compositoras. Leiam sobre a história das mulheres, e mulheres que fizeram história. Sobre a ciência das mulheres, e mulheres que fazem ciência. Assistam esportes femininos. Vejam filmes dirigidos por mulheres (embora sejam tão poucas diretoras de destaque). Aprendam sobre as mulheres que tiveram suas obras roubadas pelos homens de sua vida, e nunca tiveram o crédito merecido. Aprendam sobre as esposas de grandes ícones masculinos, e como frequentemente elas foram fundamentais pra suas obras, e como frequentemente foram abusadas por esses homens considerados geniais por todos. Curtam mais comentários de mulheres (até em páginas feministas, comentários de homens costumam ter mais curtidas que de mulheres!). Escutem mais as mulheres a sua volta e exijam ser mais e melhor representadas.

Que a menina Mafalda não precise mais se ajoelhar pra venerar nomes masculinos. Que o nosso sol seja aquele que iluminou Carolina Maria de Jesus, Marie Curie, Dandara dos Palmares e Chiquinha Gonzaga. É desse sol que eu quero me contagiar e quero que as meninas de hoje se contagiem.

sábado, 6 de junho de 2015

O CUSTO DA FEMINILIDADE


Recentemente, publiquei um texto, na verdade, uma tabela, sobre o custo, em tempo e dinheiro, de ser mulher da cabeça aos pés. Mas, o custo é muito maior do que simplesmente quanto gastamos pra performar feminilidade.

Ser feminina, no que se refere à aparência, é tudo o que falei naquela tabela: cabelo, pele, depilação, maquiagem, unhas. A enorme maioria das mulheres segue essas regras, sem jamais parar pra pensar no que está por trás. Sem pensar que, por trás da depilação, está a sintomática pedofilia da nossa sociedade. Sem pensar que, por trás do cabelão, está o fato que é mais fácil dominar fisicamente um ser de cabelos compridos. Quem nunca viu aquele famoso desenho da mulher das cavernas sendo puxada pelos cabelos pelo homem das cavernas? Sem parar pra pensar que, por trás das unhas compridas e feitas, está a impossibilitação de mulheres desempenharem certas tarefas, com medo de quebrar as unhas. Sem parar pra pensar que, por trás disso tudo junto, está a ideia de que mulher serve pra enfeitar o mundo, serve pro deleite dos olhos masculinos.


                                           Traga-a de volta antes da meia-noite!

Mas, eu não faço nada disso pelos homens, faço por mim! Tá aí uma falácia que o feminismo liberal nos empurrou, e em que muita mulher acredita, e que só favorece aos... homens! A tal da liberdade individual... Assim que as mulheres começaram a problematizar os rituais de feminilidade, isso lá nos anos 1970, alguém criou essa ideia de “não faço pelos outros, faço por mim” pra responder sempre que a questão da beleza feminina (ou qualquer questão feminina) for problematizada. Porque, assim, silencia-se (mais uma vez) a mulher que não só quer ir contra o padrão, mas também quer problematizá-lo, discuti-lo com outras mulheres. E, assim, tentar mudá-los. Essa ideia da liberdade individual, liberdade de escolha, coloca todas as escolhas no limbo social, fora da realidade material, como se a gente fizesse escolhas apenas por nós mesmas, intrínsecas ao nosso ser mais íntimo, e não influenciadas o tempo todo pelo contexto cultural, social e histórico.

Por exemplo, mulheres começaram a depilar-se, primeiramente nas axilas, quando, na década de 1940 (muuuuuito recentemente, portanto), começaram a trabalhar nas fábricas estadunidenses, porque muitos homens estavam na guerra. As axilas peludas excitavam os operários homens que restaram, que não conseguiam trabalhar em paz! Coitados! Já não basta roubarem nossos empregos, ainda querem nos enlouquecer?! Pra ter sossego E POR IMPOSIÇÃO SOCIAL, as mulheres começaram a depilar as axilas. Então, você quer me dizer que nenhuma mulher no mundo antes de 1940 pensou em se depilar “por si mesma e não pelos outros” e que a enorme maioria das mulheres hoje se depila “por si mesma e não pelos outros”? Antes de 1940, nenhuma mulher jamais pensou em se depilar apenas pros seus próprios olhos, mas depois de 1940, e principalmente de 1980 pra cá, quase todas as mulheres se depilam, ou já se depilaram em alguma fase da vida, apenas “por elas mesmas”? Eu, pelo menos, comecei aos 12 anos, e não tinha ideia do que tava fazendo. Era apenas porque todo mundo fazia e eu não seria a diferente, porque mulher não deve ter pelos e pronto. Porque pelo é coisa de mulher porca, relaxada, lésbica (!), que nunca vai casar.

Mas, eu realmente gosto de (...complete com o ritual que quiser: depilar, me maquiar, ter cabelo comprido...)! Novamente, assim como escolhas, gostos também não são apenas pessoais, não vivem no limbo, não saem do nada, apenas por uma preferência intrínseca e nada mais. Então, nenhuma mulher gostava de depilação antes de 1940, e agora quase todas gostam? A enorme maioria dos homens gosta de cabelo comprido. Vai dizer que esse gosto é apenas pessoal, não tem nada a ver com o fato de que mulheres de cabelo comprido são mais fáceis de dominar fisicamente? Não tem nada a ver com o fato de que as mulheres que aparecem nas páginas das revistas de nu e filmes pornôs, quase todas, têm cabelo comprido? Não tem nada a ver com uma ideia de mulher como objeto pra agradar aos olhos dos homens? Enfim, não existe gosto que não tenha um lado sócio-cultural muito mais forte que o lado pessoal (que eu não estou negando que exista, mas acredito que é muito pequeno e impotente).

Mas, na minha profissão, eu preciso ter essa aparência. Eu até gostaria de mudar, mas não posso. Agora, estamos chegando a algum lugar. Isso quer dizer que você já problematizou isso tudo, mas não pode mudar. Nesse caso, não há muito o que fazer, além de, se isso te incomodar muito, tentar mudar de emprego/carreira. Mas, isso não é fácil, exige tempo e dinheiro, e talvez não te incomode tanto. Aqui, uma sugestão pra mulheres que estejam em cargos de chefia: não exijam de suas funcionárias que performem esses rituais de feminilidade, só porque todo mundo exige. Não exija salto alto, maquiagem, cabelo comprido. Felizmente, sou professora e concursada, então, estou numa fase da vida e numa área em que, se eu não estiver suja e fedendo, serei aceitável. Mas, ainda assim, sei muito bem que os alunos comentam, e muito, sobre a aparência das professoras. E julgam. E os colegas também. Eu pouco me importo, porque posso me dar a esse luxo. Sei que não vou perder o emprego. Mas, muitas de nós não têm essa liberdade. A vocês, minha empatia e sororidade.

Mas, eu até gostaria de não fazer certas coisas, mas sou muito insegura. Novamente, estamos chegando a algum lugar. Se você problematizou a feminilidade, mas, ainda assim, não se sente segura em mudar, também vão pra você minha empatia e sororidade. Não é fácil mesmo. Não é fácil ser apontada na rua. Não é fácil saber que você é assunto. Pode não parecer, mas eu não gosto de saber que sou assunto na boca do povo, não por causa da minha aparência ou comportamento. Não é fácil quando se é bem mais nova que eu. Não é fácil quando se é negra. Não é fácil quando se tem filhos. Não é fácil nunca. Eu não tô aqui pra dizer que alguém deve fazer isso ou aquilo, cagar regra, como dizem. Muitas mulheres se afastam do feminismo, porque acham que o feminismo quer impor novas regras pra substituir as antigas. E longe de mim querer ter esse efeito sobre mulheres. Não estou aqui pra dizer que sou mais feminista que ninguém, porque não faço mais nada do que está naquela tabela, embora já tenha feito tudo pelo menos uma vez, e muitas coisas durante anos e anos. E muito menos tô aqui pra julgar quem faz, mas pra dizer que é ok não fazer.

Estou aqui pra dizer apenas que feminilidade deve ser problematizada, sim, mesmo por quem continua performando-a pelas mais diversas razões. Escolhas e gostos não nascem do nada, não são apenas decisões do nosso ser interno ou eu interior ou seja lá qual for a ficção universalizante em que se acredite. Eu, pessoal e politicamente, decidi parar de performar feminilidade o máximo que eu posso. Cortei os cabelos. Não depilo mais. Não uso maquiagem. Não faço mais as unhas, embora ainda as deixe longas, “porque gosto”. Mas, não dou mais piti quando uma delas quebra. Pra mim, está sendo ótimo. Economizo um tempo incrível, economizo muito dinheiro (sempre fui do tipo que comprava muitos cosméticos, que, às vezes, iam pra lixeira sem terem sido usados) e, principalmente, economizo muita culpa. Quem me conhece sabe da minha preguiça macunaímica. Muitas vezes, batia a preguiça no domingo e eu ia trabalhar na segunda sem fazer as unhas. Mas, não sem sentir uma culpa enorme. Culpa por ter preferido dormir de tarde, ou ver TV, ou fazer nada em vez de fazer as unhas. O mesmo pra sobrancelhas, depilação e maquiagem. Às vezes, eu até pensava como homens eram sortudos de não se preocuparem com isso, mas nunca parava pra pensar por quê. Achava que era coisa de mulher, e pronto.

Nada é de mulher e pronto. Tudo que é coisa “de mulher” surgiu ou foi criado pra nos dominar, diminuir, atrasar. E a aparência feminina, a performance de feminilidade, faz parte desse pacote. Então, performando-a ou não, problematize-a.  

quarta-feira, 3 de junho de 2015

ERRO NÚMERO 11: MULHERES NÃO “JOGAM FORA” SEUS FILHOS

Acho que esse até eu já compartilhei. Momento vergonha alheia de mim mesma.


Antes de mais nada, nada contra o casal da foto. Amava Brothers and Sisters e os personagens deles (só não lembro os nomes, mas lembro que adotaram a Olívia. Rs...) Também, nada contra a adoção por casais gays ou lésbicos, muito pelo contrário. Há inúmeras crianças na fila da adoção, principalmente as mais velhas, e quantas mais forem adotadas, melhor.

Mas, não dá pra simplesmente colocar a culpa pelo abandono assim nos “dois diferentes”, ou seja, no homem e na mulher que conceberam a criança. Em primeiro lugar, isso culpabiliza as mulheres que abandonam os próprios filhos, ignorando que muitas vezes elas o fazem por total falta de opção. Mesmo que o post fale em “dois diferentes”, esse peso de ter abandonado a criança, de ser desnaturada, recai muito mais sobre a mulher. Então, indiretamente, isso ajuda a naturalizar mais essa violência contra a mulher. A sociedade dá ao homem o direito de ser pai quando quiser, e à mulher, o dever.

Não dá pra esquecer que vivemos em um país cristão, onde religiões têm um papel fundamental na vida de milhões de pessoas e estimulam a natalidade cada vez maior e impensada. Métodos contraceptivos são condenados pela igreja católica, mesmo que muitas católicas façam uso. Ter filhos é um “presente de deus”, que não se pode recusar, mesmo que não se tenha condições de criá-los. E não se esqueçam que estimular a natalidade é comum, mas ajuda a criar, não. Depois de nascida a criança, o maior peso sempre recai sobre a mulher.

Não dá, também, pra esquecer que o aborto é ilegal em nosso país, que à mulher não é dado o direito sobre o próprio corpo, o direito sobre si mesma. Não fez? Agora, aguenta as consequências. Essa gente deve ter faltado à aula de biologia, pra não saber que mulher não gera um feto sozinho! Tá cansada de saber que numa gravidez quem se fode é a mulher, então devia ter se cuidado. Então, novamente, a culpa é da mulher por ter ousado ter vida sexual, é isso? Ou por ter sido descuidada? Também faltaram à aula que ensina que nem todo método contraceptivo é infalível. Também ignoram que muito homem se recusa a fazer sexo com camisinha, e a mulher acaba sendo obrigada a ceder, porque, nessa relação, quem tem a força e o poder é ele. Mas, não dá pra contar com o homem usar camisinha. Tem que se proteger por conta própria. Ou seja, ignoram também que nem toda mulher pode tomar pílula anticoncepcional por questões de saúde (e até por questões religiosas), e poucas têm acesso a outros métodos mais caros. E que métodos contraceptivos, como já dito, falham.

Não dá, também, pra esquecer que existem mulheres que geram filhos de estupros. Muitas vezes, de estupros incestuosos, filhos de seus próprios pais ou irmãos. Até mulheres homossexuais podem gerar um feto, fruto de estupro corretivo, por exemplo. E, pra muitas dessas mulheres, seria impensável criar a criança nascida dessa violência. Mas, aborto em caso de estupro é legal no Brasil. Sim, na lei, é. Mas, muitas mulheres que procuram o SUS pra isso sofrem abuso psicológico de médicos e enfermeiros, muitas vezes tentam convencê-las de que é melhor levar a gravidez adiante, e até duvidam que tenham sido mesmo estupradas (Não teve um parlamentar americano que disse que quando é estupro mesmo, o corpo da mulher se protege e não engravida? Pois é.) Muitas vezes, a família faz pressão, principalmente contra mulheres mais jovens, pra que mantenham uma gravidez de um estupro. Muitas vezes, a religião ou os princípios daquela mulher não permitem um aborto. Muitas vezes, quando a mulher percebe que está grávida, já passou o prazo do aborto legal. Todas essas questões têm que ser pensadas antes de se culpabilizar a mulher por abandonar uma criança.

Não dá pra esquecer, também, que muitos homens prometem que serão pais, às vezes são eles que querem o filho, mais que a mulher. Mas, nem sempre levam essa promessa adiante quando a coisa aperta. Não se trata só da questão financeira, mas também dela. E se trata também de participação efetiva na criação da criança, que não é nada fácil. Muitas mulheres engravidam até querendo aquele filho, mas na total falta de suporte – inclusive do estado – são levadas a abandoná-lo.

Não dá pra esquecer, também, que muitos bebês são filhos de mulheres que cumprem pena no sistema carcerário e não podem manter seus filhos, nem se quiserem. Mas, como ficou grávida na cadeia? Bom, existe algo chamado visita íntima, e como dito antes, muito marido não usa camisinha. Não sei como é o acesso de presidiárias a métodos anticoncepcionais. E, muito mais grave que isso, muitas mulheres são estupradas em presídios, engravidam, não podem abortar (pois não denunciam o estupro, geralmente cometido por guardas ou autoridades) e acabam tendo o filho e são, assim, obrigadas a entregá-los.

E, obviamente, não dá pra esquecer que algumas mulheres morrem no parto, ou logo depois de dar à luz, ou quando a criança ainda é pequena. Imagino que, nesse caso, não se ponha a culpa na mulher, né? Se bem que tem mulher que “pede pra morrer”, óbvio. Nem pensam nos filhos. Porque até isso quem é mãe não tem direito: a morrer e deixar os filhos órfãos. Quem mandou ter filho, agora não pode nem morrer.

São pouquíssimas as mulheres que abandonam um filho sem que isso gere também pra ela um enorme sofrimento. Estamos acostumados a ver na TV aqueles casos de mulheres que deixam bebês em sacos de lixo, dentro de rios, e achamos que essas são a maioria. Não são. Muitas mulheres se esforçam o quanto podem pra criar os filhos, mas não conseguem, e as crianças são tiradas pelo estado. Muitas abandonam filhos, acreditando que aquilo será o melhor pra criança, que ela terá uma família que lhe dará o que a mãe não pode. Muitas meninas de famílias pobres são obrigadas pela própria família a dar, ou mesmo vender seus filhos, muitas vezes nascidos de estupros, muitas vezes cometidos por seus próprios pais ou irmãos. Muitas vezes, essas mesmas meninas foram vendidas pelos seus pais na infância, e são obrigadas a fazer o mesmo com os filhos, que, se as coisas não mudarem, farão o mesmo daqui a quinze, vinte anos. Muitas mães que abandonam crianças também são crianças de doze, quatorze anos.


Então, antes de elogiar os gays que adotam, principalmente homens, pense se o seu elogio não é uma ofensa misógina às mulheres. Porque esse do meme é. Muito.