quarta-feira, 22 de abril de 2015

SORORIDADE, PRA QUE TE QUERO?

A ideia de SORORIDADE, irmandade entre mulheres, pode ser linda, mas também pode ser problemática. Esta semana mesmo, vivi uma situação que mostrou isso nitidamente. Num debate sobre mulheres brancas problematizando misoginia de homens negros, acabei exercendo meu racismo sobre mulheres negras sem perceber. Tomei uma chamada, enfiei a viola no saco e, daqui pra frente, espero não cometer o mesmo erro de sinhá novamente, e não exercer o racismo que me é latente. Então, amigas brancas, este texto é pra vocês, até porque não tenho lugar de fala pra falar pras minas negras.

Ao querer reunir todas as mulheres sob uma irmandade, assim como os homens têm sua brotheragem, não podemos jamais perder de vista que a opressão de gênero tem também recortes de raça e classe. Eu, como branca e classe média, que nunca sofri racismo, ou discriminação pela minha classe, vejo nitidamente a opressão de gênero como mais profunda na nossa sociedade que todas as outras opressões. Mas, não posso jamais exigir que uma mulher negra e/ou pobre pense exatamente como eu. Pra mim, é óbvio que o inimigo a ser combatido é o patriarcado, mas muitas irmãs têm que lutar também contra o racismo e o classismo. Para que nós, mulheres brancas/ricas, não acabemos sendo opressoras de outras, a ideia de sororidade não deve jamais se tornar um universalismo excludente, pelo qual a condição de mulher se sobreponha à condição de negra ou pobre. Que fique claro que esse é o meu entendimento, que nem toda mulher branca/rica pensará assim.

Ao exigir sororidade de uma mulher negra numa disputa entre um homem negro e uma mulher branca, somos racistas. Agora entendo melhor que a mulher negra fica num dilema entre se unir a homens negros na luta contra o racismo, ou se unir a mulheres brancas, na luta contra o machismo. E, em ambos os casos, acaba tendo sua condição de duplamente oprimida ignorada: o homem negro diz pra ela que lutar contra o racismo é mais importante que contra o machismo, e a mulher branca diz que lutar contra o machismo é mais importante que contra o racismo. O mesmo vale pra mulheres pobres lutando contra o classismo.

E não adianta nem vir com a justificativa que, durante o debate, eu não sabia quem era negra e quem era branca, porque no meu celular não dá pra ver a foto de quem tá comentando. Não saber já é consequência do meu racismo, é não dar a devida atenção às especificidades de cada mulher, é ignorar que nem todas têm os mesmos privilégios que eu (de branca e rica), é universalizar a condição de mulher, e apagar as vivências específicas de quem é mulher, mas é também negra e/ou pobre.


Então, nós, mulheres brancas, privilegiadas, não podemos exigir sororidade de mulheres cuja opressão vai além do machismo. Vejo agora mais nitidamente que elas não têm qualquer obrigação de colocarem sua luta contra o machismo acima da luta contra outras opressões. Cabe a elas decidir como vão lutar, e junto a quem. Desconstruir o machismo deve incluir também a deconstrução de outros sistemas de poder, se não quisermos incorrer nos mesmos erros que queremos combater. Construir a SORORIDADE é também respeitar as diferenças e respeitar o tempo de cada mulher, com suas vivências e especificidades.  

quarta-feira, 15 de abril de 2015

SORORIDADE > FRATERNIDADE

Liberdade. Igualdade. Fraternidade. Já perceberam o quão machista é esse lema? Não? Talvez por não saberem, ou não se atentarem para o fato de que fraternidade diz respeito a irmãos. Homens. Ou seja, homens se unem em torno de um ideal, homens mudam o mundo fazendo a revolução francesa. Mulheres são desunidas e só servem pra dizer que, se o povo não tem pão, que coma brioche. A palavra pra mulheres que se unem, pra irmandade entre mulheres, é SORORIDADE. Não, você não vai encontrá-la nos dicionários. Ela nem existe no português “oficial”. Ah, mas, no português, generaliza-se no masculino, logo fraternidade inclui mulheres também. Sim, mas isso só reflete como nossa língua é machista, ainda mais que o inglês, por exemplo, em que não se generaliza no masculino. Mas, mesmo no inglês, a palavra “sorority” só existe no dicionário pra se referir às repúblicas universitárias femininas. Já “fraternity” é usada pra repúblicas masculinas E TAMBÉM pra se referir ao sentimento de irmandade. ENTRE BROTHERS. IRMÃOS. HOMENS.

Parece uma bobagem. É “só” uma palavra. Não, não é só uma palavra. A língua ajuda a construir o mundo. E também o reflete. Não é à toa que esquimós têm sei lá quantas palavras pra dizer “branco”. Não é à toa que as línguas ocidentais – e suponho que as orientais também – reflitam a “falta de união” entre mulheres. Então, é porque mulheres são desunidas mesmo, oras! Porque já nascem assim, invejosas, ciumentas, sem capacidade de se mobilizarem pelo bem comum, egoístas, só pensam em si! Não, vamos tentar de novo.

Não há nada na biologia feminina que leve à conclusão de que mulheres são assim mesmo. E muito menos há algo natural que justifique que homens são mais unidos. Homens são criados, socializados, pra serem parceiros, amigões, “irmãos”. Observei outro dia que meu marido chama qualquer homem de irmão, desde o entregador de pizza até o próprio irmão mesmo. Nunca vi mulher chamar outra de irmã fora do feminismo ou da própria família. Ou de um convento. Mulheres são socializadas pra competirem entre si, pra se odiarem. E por quê? Pelo prêmio máximo: o omi! Meninas aprendem desde cedo que “fulana roubou o marido da cicrana”. Já viram alguém dizendo que “fulano roubou a mulher de cicrano”? Não, nesse caso, dizem: “a vagabunda da beltrana trocou o fulano pelo cicrano, melhor amigo dele”. E a amizade nem é abalada, afinal, irmãos não se separam por causa de mulher. Mas, mulheres entram em guerra por causa de omi. Há dezenas de comédias americanas sobre isso, sobre mulheres de todas as idades. E há também Meninas Malvadas, que, olhando pro cartaz, parece só mais uma comédia imbecilizante americana, e se não tivesse o dedo mágico de Tina Fey, provavelmente seria mesmo.

No filme, a recém-chegada personagem da Lindsay Lohan, que nunca tinha pisado numa escola antes, pois tinha sido educada em casa, só se enturma com a Janis e o amigo gay dela (não me perguntem os nomes dos atores!), que também são deslocados de todos os outros alunos. Eles bolam um plano pra Lindsay se enturmar na panelinha da personagem da Rachel McAdams, linda, magra e loira. Da panelinha fazem parte a Claudia, de Party of Five, e a Amanda Seyfried (não me perguntem os nomes das personagens!). Basicamente, elas são as meninas mais lindas da escola, desejadas por todos os garotos, e odiadas por todas as meninas. E o plano levaria os três amigos a desmascará-las. Depois de muito vai e vem, a Lindsay se enturma, mas acaba gostando da coisa, e abandona os verdadeiros amigos, além de se tornar a Abelha Rainha, líder da panelinha, depois de fazer a antiga rainha engordar e se tornar “largada”. E ser automaticamente largada pelas amigas e todos os admiradores. Acontece mais um monte de coisa, a Lindsay percebe que, se tornando a rainha, não é menos ruim que a antiga, o que a leva a compartilhar a coroa de rainha do baile com todas as meninas. Literalmente. Ela quebra a coroa e distribui os pedaços. Happy ending.


(Vocês precisam parar de se referirem umas às outras como vadias e putas. Isso só torna ok para os caras chamarem vocês de vadias e putas.) 

O filme não é mais um besteirol americano, embora se pareça com um visualmente. É um filme de mulheres, sobre mulheres e com uma mensagem clara pras mulheres: ao lutarem umas contra as outras, vocês só estão lutando contra si mesmas. Ao chamar outras meninas de gordas, você se coloca como alvo pra ser chamada de qualquer coisa relativa ao seu peso. E, mesmo que você esteja “em forma”, vão dar um jeito de falar, vão dizer que está magra demais, que é anoréxica; se for musculosa demais, dirão que parece um homem etc. Não tem como fugir. Nem a Gisele Bündchen escapa. Ao chamar outras meninas de vadias, você só abre as portas pra julgarem sua vida sexual. E, se você não tiver uma, pra tirarem sarro da falta dela. Ao chamar outras meninas de “loiras burras”, você permite que a inteligência de uma mulher seja avaliada de acordo com a cor do cabelo e não com suas habilidades e talentos. E não adianta pintar o cabelo de preto! Porque loira burra pode ser morena, ruiva, careca...

Falando em filmes, outro em que reina a SORORIDADE é Malévola. Depois de passado o incômodo inicial com aquele visual modernoso computadorizado, adorei o filme. Malévola é uma fada que se torna amiga, e depois namorada, de um humano. Ele a engana e arranca-lhe as asas pra dá-las ao rei, inimigo de Malévola. Ela, traída e sem asas, se torna amarga e vingativa, colocando um feitiço na filha recém-nascida do ex, agora rei. Pelo tal feitiço, a menina viveria linda e feliz e saudável até os dezesseis anos, quando espetaria o dedo em um roca de fiar (se não fosse essa história, nem saberíams mais o que é isso!) e dormiria um sono profundo, até que recebesse um verdadeiro beijo de amor. Na verdade, o feitiço é capcioso: Malévola sabe que não existe verdadeiro beijo de amor, e o pai de Aurora também sabe, logo sua filha estaria condenada a dormir pra sempre. Aí, o pai, muito preocupado com a segurança da filha e ignorando completamente a mãe da menina, manda a criança pra uma casa no bosque, pra ser criada por três fadas completamente incapazes de cuidar de uma criança, pra dizer o mínimo. No fundo, sua preocupação maior é não permitir que Malévola vença, ele está pouco ligando pra segurança da menina, já que as fadas poderiam ter acabado levando-a à morte muito antes dos dezesseis anos! Até aí, é a clássica história da Bela Adormecida.

Mas, a partir daí, a coisa muda. A princípio, é Malévola quem salva Aurora constatemente, sempre apenas pra depois poder ver seu feitiço se completar, mas Aurora acaba acreditando que Malévola é sua fada madrinha, e a fada não a desmente. Malévola acaba gostando da menina, apesar do pai, mas não consegue desfazer seu próprio feitiço. A profecia se cumpre e Aurora cai no sono, quando já havia descoberto que seu pai estava vivo e sabendo do feitiço. Nessa altura, a mãe da menina já morrera. Assim, as três fadas-patetas são chamadas novamente pra cuidar da menina, agora em seu quarto no castelo. Aí vem a melhor cena do filme. Aparece um príncipe-bocó de um reino vizinho e as fadas-patetas acham que é a salvação da menina. Na verdade, Malévola o levara até o castelo, achando que seria a salvação, apesar de não acreditar em beio de amor verdadeiro. As fadas-patetas empurram o príncipe pra cima de Aurora, ele mal tem tempo de dizer que não pode beijá-la, pois mal a conhece. E nesse ponto eu já tava p da vida de ver essa cena de beijo sem consentimento. Mas, o que vem a seguir vale a pena. O príncipe beija Aurora, nada acontece, as três fadas (que a essa altura já ganharam minha simpatia) o jogam, literalmente, pra fora do quarto. Ele cai no chão com aquela cara de bocó que nem entendeu o que tinha acontecido. Aí entra Malévola no quarto, pra pedir perdão a Aurora, e é seu beijo que a acorda. Alguns imbecis pelo mundo acharam que a cena era lésbica! Acordem, seus tarados! O beijo não é lésbico, é o beijo da SORORIDADE. É o beijo de uma mulher que, por raiva de um homem, deseja mal a outra mulher que não tem nada a ver com isso, nesse caso, que não era nem nascida. É um beijo de arrependimento, ao se dar conta da tamanha burrada que havia feito. Bom, Aurora acorda, Malévola recupera suas asas, mata o rei, e Aurora passa a governar o reino. Happy ending.



No entanto, nem tudo são flores. Ambos os filmes são frutos de Hollywood, que descobriu agora o filão do feminismo e resolveu capitalizar em cima. Não podemos perder isso de vista. Além disso, ou melhor, talvez por isso, concessões são feitas em ambos os filmes e a pior delas é: tudo ainda gira em torno da busca de um parceiro pela mulher. Em Meninas Malvadas, além desse título duvidoso, a Lindsay e a Rachel disputam o macho, um tal de Aaron, de quem eu nem lembro no filme, com sinceridade. Mas, é por ele que a disputa das duas começa e, no final, a Lindsay fica com ele. É o prêmio por ela ter sido uma boa moça, por ter dividido a coroa de rainha com todas etc. Em Malévola, o príncipe-bocó aparece na cena final, sorrindo pra Aurora, e ela responde com um sorriso. Fica implícito que eles ficarão juntos. Acredito que ambos os filmes seriam muito melhores e coerentes sem essa concessão. E, acredito que precisamos de filmes que tenham pontos de partida diferentes. Ambos os filmes partem do pressuposto machista tradicional que: toda mulher só será feliz com um homem ao seu lado. E ambos fazem concessões em relação a isso no final. Seriam melhores se 1. não fizessem essas concessões; e 2. melhores ainda se partissem de outro pressuposto. Mas, Hollywood precisa agradar a todos, inclusive as moçoilas casadoiras que ainda acreditam em príncipe encantado e amor romântico. De qualquer forma, é um começo. Precisamos de mais filmes assim, ainda que eles só estejam querendo nosso dinheiro. Por coincidência, ontem estava passando a animação da Bela Adormecida, a original, de 1959. Crescer vendo mulheres retratadas daquela maneira é e foi prejudicial pra muitas de nós, mas felizmente as próximas gerações parece que terão melhres modelos a seguir, se o filão feminista continuar dando dinheiro, claro. Eu espero que sim. As meninas merecem. Mas, não adianta nada, se paralelamente não se ensinar às meninas que elas são irmãs e não inimigas. Precisamos construir conscientemente para nós o que os homens constroem espontaneamente desde o berço, a tal “brotheragem”, mas com seu nome certo: SORORIDADE.


Também sei que a SORORIDADE não é assim tão linda quanto mostram os filmes, que há muito a ser problematizado. Ambos os filmes são feitos por pessoas brancas, com quase apenas atores brancos, num mundo classe média alta. Mas, é um começo. E isso é assunto pra outro texto...  

sábado, 11 de abril de 2015

PEQUENA, MÉDIA E GRANDE

Eu sempre quis ter um irmão. Sempre achei que me faltava essa relação, que a sorte ma tinha roubado. Não sou filha única. Tenho duas irmãs. Mas, achava que me faltava um irmão HOMEM. Sei lá eu o que eu pensava que falaria pra ele, ou faria com ele, que eu não poderia falar ou fazer com minhas irmãs.

Nunca fui amiga das minhas irmãs. A Média é três anos mais nova que eu, então brincamos muito juntas, trocamos muito papel de carta, enrolei muito ela pra levar vantagem nas trocas, mas na adolescência nos distanciamos bastante – o máximo que dá pra ser distante de alguém que vive no mesmo espaço e que a sua mãe a obriga a levar pros lugares. A Pequena é nove anos mais nova, então a amizade já foi dificultada pela diferença de idade. Mas, nem uma irmã mais velha e madrinha eu fui. Tava ocupada demais puxando saco dos homens, tentando fazer amizade com eles ou impressioná-los.

A competição sempre estimulada entre as mulheres – pra ser a mais bonita, a que teve mais namorados, a mais popular – não ajudou em nada. A Média já tinha namorado muito antes de mim, três anos mais velha, e isso só me fazia sentir ainda mais rejeitada pelo mundo. E provavelmente fazia ela se sentir incrível, afinal havia superado sua irmã mais velha. Ela era magra, eu, gorda. Ela, extrovertida. Eu, tímida. Ela, inteligente. Eu, também. Mas, que menina quer ser reconhecida pela inteligência na adolescência?

Quanto à Pequena, nunca tive aquela relação de irmã mais velha, quase tia, com ela, porque nunca fui daquelas meninas que adoram brincar de mãe com as crianças mais novas. Eu já tinha uma noção de que jamais teria filhos, embora não fosse ainda uma ideia formada. Eu não ligava pra bebês como a enorme maioria das meninas, que se “derrete” ao ver um bebê, quer pegar no colo etc. Daria no mesmo se ela fosse um menino? Provavelmente, mas quero dizer que nossa amizade foi dificultada por eu evitar desempenhar esse papel tipicamente feminino, justamente porque eu fazia o possível pra não ser vista como mulher, fazia o possível pra que me respeitassem “como a um homem”. Também não tinha um pingo de sororidade com minha mãe, não tinha consciência de que ela tinha três filhas pra criar praticamente sozinha porque pai que é pai só paga as contas, e olhe lá!


Hoje, nossa relação é ótima. Só passou a ser assim depois de adultas, bem recentemente. A Média ainda precisa parar de reproduzir machismo, porque né, vergonha alheia de irmã é muito triste. A Pequena já tá encaminhada no feminismo. Peço desculpas a elas por não ter sido uma irmã como deveria ser. Mas, ainda há tempo de acertar isso. E hoje tenho muitas outras irmãs, irmãs de luta, feministas como eu. SORORIDADE, palavra-chave no feminismo. Mas, isso já é assunto pra outro texto...  

domingo, 5 de abril de 2015

5 TÉCNICAS INFALÍVEIS PARA FAZER UMA FEMINISTA VOMITAR

Para tudo! Deixa o texto sobre as irmãs pra depois, porque isso aqui é mais urgente. Tem circulado pelo face um texto com o título “Cinco técnicas infalíveis para aumentar o prazer feminino”.
Fui conferir achando que era alguma bobagem machista... E era! Mas, não do tipo que eu esperava. O texto, na verdade, não fala de sexo, mas de serviços domésticos! Aparentemente, toda mulher goza ao ver o marido lavando um prato. Em tom de “brincadeira”, o tal texto “ensina” cinco técnicas pra o homem fazer a mulher gozar: basta ele lavar a louça e a roupa e limpar a casa e fazer o jantar e não deixar o assento da privada levantado.

É apenas uma piada, tem que saber rir dessas coisas, disse a amiga que compartilhou. Tenho certeza, no entanto, que essa mesma amiga não diria que uma piada chamando um homem negro de macaco, ou um gay afeminado de viado, são apenas piadas inofensivas. Mas, sobre mulher: pode. Porque já internalizamos tão fundo o preconceito contra nós mesmas que nos compadecemos do sofrimento dos negros e dos gays, mas não do nosso mesmo.

Mas, de volta ao texto e por que ele é altamente problemático. Em primeiro lugar, o mais óbvio: segundo esse texto, TODA mulher é neurótica com limpeza e prefere uma casa limpa a uma boa noite de sexo. Entre dar pro marido e ver ele lavando a louça, TODAS as mulheres gozariam mais com ele lavando a louça. O texto afirma várias vezes coisas como “Repita com toda a louça do jantar até que sua parceira esteja gemendo de prazer.” Newsflash: não é assim pra mim, e não é pra muitas mulheres. Só não posto uma foto da pia da cozinha aqui de casa nesse momento depois de cinco dias de feriadão, porque a vigilância sanitária poderia mandar fechar o blog! Implícita está também a ideia de que mulher não gosta de sexo, tão problemática que dá outro texto...

Outro aspecto altamente problematizável é que tem gente que ainda acredita que serviços domésticos devem ser prioritariamente feitos pelas mulheres, e que o homem está dando prazer a sua parceira quando faz alguma coisa em casa! Mas, é só uma piadinha, justamente porque aqui em casa não é assim. O problema é que ainda é assim na maioria das casas, e as mulheres que lerem algo assim, compartilhado por uma amiga, não verão como piada, verão como obrigação sua continuar cuidando de tudo dentro de casa e, inclusive, a obrigação de sentir prazer quando um homem faz alguma coisa. Pra muitas mulheres, esse texto soará como “deixa de ser mal agradecida, já que uma vez por mês o marido faz o jantar. Você devia estar gozando e não reclamando”. Além disso, eu e você não passamos por isso, mas muitas mulheres passam, e rir de outras mulheres não é legal, não por coisas que elas reproduzem sem nem pensar. Não porque ela caiu em ciladas que você conseguiu evitar. Até porque um dia pode ser você aquela de quem rirão. 

Além disso, o texto mostra mulheres como neuróticas que querem tudo feito a sua maneira: “Certifique-se que ela consegue ver muito bem tudo que você faz.” Sim, porque mulheres são especialistas em lavar pratos e precisam supervisionar o que os homens fazem na cozinha, pra ficar “do jeito dela”. O texto ignora que muitos homens fazem tudo mal feito dentro de casa, pra não precisarem fazer mais, pois sabem que terão uma mulher ali, disponível, pra “consertar”. Assim, fica-se com a impressão que mulher é biologicamente mais preparada pra essas tarefas. E, mais grave, o texto não problematiza o porquê de as mulheres quererem tudo perfeito. Será que não é porque qualquer coisinha que dê errado, a culpa será colocada nela e não no homem que estava “ajudando”? Se o pai esquece de ir buscar o filho na escola, a culpa é da mulher, porque ela que devia ter ido. É pra mãe que a escola vai ligar, e não pro pai, não importa se ela está em Cingapura numa viagem de trabalho. Se o marido queima o jantar, a culpa é da mulher, porque é dela a obrigação de cozinhar. Se a mulher, que trabalha fora igual ao marido, queima a camisa nova dele no ferro, a culpa é dela! Não é dele que não passa as próprias camisas!


Então, amigas, antes de compartilhar essas coisas, pensem um pouco. Pensem se é só piadinha mesmo, ou se está contribuindo pra enfatizar estereótipos e pra nossa própria opressão (se não pra sua, pra de uma irmã). Uma tática muito fácil de usar pra saber se algo, mesmo uma piadinha, é machista, é se perguntar: isso teria graça se fosse dito de um homem? Se a resposta for não, fique longe, porque é cilada. 

PS: Feliz em saber que a amiga apagou o compartilhamento do tal texto depois de debatermos sobre ele. 

ELOGIOFENSAS

Eu já reproduzi machismo, porque achava que estava acima disso, que ele não me atingia. Que sendo uma mulher “diferente das outras”, que a misoginia não era sobre mim, mas só sobre “as outras”. Que bastava eu ter um senso de humor “masculino”, rir junto com os homens, que as piadas não seriam sobre mim. Que bastava eu não cair nas armadilhas que a maioria das mulheres caía, que eu poderia escapar desse destino. Eu passei a vida inteira achando que dava pra fugir dessa condição inexoravelmente imposta no berço (e hoje, até antes, na ultrassonografia).

E por que tanta negação? A gente cresce escutando que mulher não é amiga de verdade, que os melhores amigos são os homens. Que não se pode confiar em mulher, são traiçoeiras que, cedo ou tarde, te trairão, contarão seus segredos, ou inventarão coisas sobre você. Não viram o que a Eva fez com o coitadinho do Adão? Não fosse aquela serpente e a cobra da Eva, Adão ainda estaria vivendo no paraíso. Escutamos que, se um dia houver um homem entre você e sua amiga, que a amizade acabará, mas que um homem jamais trocaria um amigo por uma mulher. É a mulher que “rouba” o marido da outra, e não o marido que trai sua esposa. Crescemos ouvindo isso e acabamos acreditando.

Nos ensinam também que os melhores professores são os homens, os melhores médicos também, os melhores escritores, motoristas... Quando uma mulher se destaca em qualquer uma dessas profissões, é porque trabalha “como um homem”! “Fulana é ótima escritora, escreve como homem.” A Clara já falou sobre isso, aqui: http://lugardemulher.com.br/escrever-como-um-homem-nao-obrigada/. Elogio torto. Elogiofensa. Ao dizer que você faz qualquer coisa “como um homem”, isso não é elogio a você, é uma ofensa a todas as outras mulheres que ousaram tentar ser alguma coisa e não foram tão bem sucedidas. Ou até foram, mas não o suficiente para serem comparadas a um homem.

E isso se reproduz também nas relações pessoais, sejam românticas ou de amizade ou de família. “Você não é como todas a outras.” = elogiofensa. “Confio em você como só confio em homens.” = elogiofensa. “Gosto de sair com você porque você bebe/conversa/arrota como homem, não tem frescuras de mulher.” = elogiofensa. “Só pego carona com você porque você dirige como homem.” = elogiofensa. São tantos exemplos diários que não caberiam aqui.

E eu já acreditei em tudo isso, que vergonha alheia de mim mesma! Já achei os professores homens os melhores, e não me lembro de uma professora que eu tenha admirado. Mesmo na faculdade de letras, onde, sei lá, 70% dxs professorxs são mulheres, nem lá, eu não admirava nenhuma professora. Ah! Tem a Carlinda! Mas, a Carlinda dá aula como homem! O que eu não me dava conta, e o mais patético disso tudo, é que eu mesma sou professora, porra! Ou seja, eu não admiraria a mim mesma se eu desse aula pra mim!

Eu já falei “só podia ser mulher” quando via uma má motorista. Mas, se fosse assim mesmo, por que então a maior parte dos acidentes e mortes no trânsito são causados por homens? Eu já acreditei que médico homem é melhor, mais competente, menos grosso, principalmente ginecologista! Não me dava conta que muitos são “menos grossos” porque tratam pacientes mulheres como criança. “Toma o remedinho direitinho pra não ficar dodói de novo, hein!” E muitos são gentis para depois abusar de suas pacientes desacordadas. E, como confiamos que são os melhores, acabamos colocando a culpa na própria mulher pelo abuso sofrido. Não pesquisei o número, mas podem apostar que a maioria dos erros médicos são cometidos por homens. Dos abusos, então, não precisa nem apostar, porque certamente devem ser uns 95% praticados por homens.

Também já acreditei que mulher não sabe escrever, e que escritores bons são os homens. A não ser que seja livro infantil. Livro infantil mulher escreve melhor mesmo. Afinal, uma mulher é quase uma criança. E a Virginia Woolf também é ótima, porque ela escreve como homem! A Clarice também. Não só na literatura, mas qualquer produção intelectual vinda de mulheres eu desprezava. Na faculdade de filosofia, professor falava que filosofia é coisa de homem, e eu achava graça e ria e repetia isso. Talvez por isso, subconscientemente, eu tenha migrado pras letras, área onde há predominância feminina (embora mulher não saiba escrever!). Aí, quando eu digo que passarei a ler mais autoras mulheres, me acusam de ter a mente fechada, de estar limitando minhas leituras. Não, gente. Eu estou AMPLIANDO minhas leituras, para incluir aquelas que eu sempre desprezei. Se um leitor qualquer só lê autores homens (sem nem perceber, já que a grande maioria dos autores são homens), ninguém jamais achará estranho ou limitador do seu horizonte. Mas, se uma mulher opta por conscientemente se dedicar mais à leitura de outras mulheres, ela é acusada de obscurantismo, de fanatismo, de vários -ismos que nos imputam diariamente. E eu nem disse que iria parar de ler autores homens de vez, imagina se eu tivesse tido essa audácia!

Matematicamente, só pode ter algo errado neste mundo. É uma questão de estatística: a maioria das meninas faz ballet. Mas, os grandes bailarinos e coreógrafos são homens. A maioria dos meninos faz judô ou futebol. E os grandes atletas também são homens. As mulheres cozinham as refeições do dia a dia. Mas, os grandes chefs são homens. Os homens dirigem no dia a dia. E os grandes corredores de fórmula 1 também são homens. As mulheres são as costureiras. Mas, os grandes desenhistas de moda são homens. O homens são os pedreiros que constroem as obras projetadas pelos melhores arquitetos, que também são homens. Em cada esquina, tem um salão de beleza com uma cabeleireira ou manicure como dona, e várias outras mulheres empregadas. Mas, os grandes hair stylists são homens, os grandes maquiadores também. As professoras, ralando lá na linha de frente, alfabetizando a criançada, são as desprezadas “professoras de 1a a 4a”. Mas, os grandes pedagogos são homens. E o ministro da educação também (nada contra o atual, que parece que será uma ótima escolha). Será que não tem nada de errado nisso? Será que nem naquilo que as mulheres praticam todo dia elas conseguem ser melhores? Ou será que os homens acabam se destacando mesmo nas áreas predominantemente femininas, porque a eles são dadas mais oportunidades, ou porque têm menos obstáculos no caminho que os farão interromper a carreira (filhos, cuidar dos idosos da família etc)? Ou será porque a mulher acaba muitas vezes limitada ao doméstico, ao local, enquanto homens têm oportunidade de alçar voos mais altos? Ou será porque, em geral, se confia mais em profissionais homens, porque crescemos acreditando que mulheres não são profissionais competentes, ou são muito emotivas, ou vão abandonar o trabalho, se os filhos ficarem doentes (ninguém se pergunta onde está o pai da criança ou por que ele não sacrifica sua carreira pelos filhos).


Eu sempre precisei dela e mendiguei a aprovação masculina. Eu tentava impressionar os professores através das provas e trabalhos, em que sempre me destaquei. Eu tentava fazer amizade com os meninos, embora tivesse muitas amigas, porque achava que nelas faltava alguma coisa. Eu aprendi a desprezar outras mulheres, achando que eu estava acima delas, que eu pensava “como homem”, que seria respeitada “como homem”. Pensando assim, eu aprendi a me desprezar, eu internalizei o ódio a mim mesma, ao internalizar o ódio às minhas iguais. Simultaneamente, eu tinha mais amigas meninas, porque tinha medo de fazer amizade com os meninos, mas quando eu fazia, era como se aquela fosse a amizade mais especial, mais verdadeira. E nenhuma durou muito. E a que durou virou casamento. Mas, talvez o maior arrependimento seja não ter sido amiga das minhas próprias irmãs. Sempre sonhei em ter um irmão, como se as irmãs não fossem suficientes, não me entendessem bem, ou fossem bobas demais pra eu ser amiga delas. Média e Pequena, peço desculpas, mas isso é assunto pra outro texto...  

sábado, 4 de abril de 2015

A ALTURA DA ANGELINA, OS OVÁRIOS DA YOKO E A BUNDA DE TODAS NÓS

Semana passada, estive envolvida em três tretas online que tiveram em comum algo que só notei posteriormente: foram todas sobre o controle do corpo feminino. Uma “amizade” desfeita, uma mantida (unicamente porque a pessoa trabalha comigo) e mais uma mantida porque eu quis e pronto.

Treta número 1: Post sobre altura feminina. Comentei que achava machista e a amiga se irritou. Parei aí, por não querer perder essa amizade, porque é alguém com quem vale a pena conversar. E certamente porque, das três, foi a mais leve. Mas, mesmo “leve”, é pesada. O post classificava as mulheres em smurfs, anãs, normais e avatares. Alguém pode dizer, “tá reclamando porque é baixinha”. Não, pior que não. Descobri nesse post que, do “alto” dos meus 1,64, estou no limite da normalidade. Sou NORMAL! Do que estou reclamando então, oras? Reclamo de um post que classifica mulheres em NORMAIS e as outras.

Mas, ora, você pode dizer, o mesmo post poderia ter sido feito sobre homens, não? Poderia, mas não foi. E, se fosse, estaria errado também. No entanto, não estou aqui para falar de homens, que também sofrem com o controle do corpo, mas sofrem umas dez vezes menos. E, exatamente por isso, não vemos esse tipo de post sobre altura masculina, só feminina. Ninguém se dá ao trabalho de dizer que um homem com menos de 1,64 seria um anão. Alguém já viu esse post por aí? Não. Mas, sobre mulheres, tem aos montes. Sobre altura, sobre peso, sobre cabelos, sobre sobrancelhas, sobre unhas das mãos, sobre unhas dos pés (há diferenças!), sobre barriga, sobre nariz, sobre pés, até sobre buceta. Sim, existem posts sobre quais tipos de bucetas são mais ou menos bonitos. Sobre pênis, eu nunca vi.

E daí? E daí que esses posts não são piadas inofensivas, não são apenas para a gente rir, como faziam a amiga e outras amigas dela no tal post. A gente ri, brinca e tal. Mas, tem muita mulher e, pior, muita menina por aí que se desespera em ver que não é NORMAL segundo os padrões. Eu, quando ainda tinha “apenas” 1,58, sofria por achar que não chegaria a 1,60. E depois, sofria por ver que não passaria de 1,65. E as altas também sofrem, até porque existe aquela regrinha que o homem tem que ser mais alto que a mulher, então, quanto mais alta a mulher, menos homens disponíveis para cortejá-la. E, como, para ser alguém, a mulher precisa de um homem do lado (claro!), elas terão muito menos chances de encontrar a felicidade que nós, mulheres NORMAIS, temos. Eu, com 1,64, encontrei a felicidade num homem de 1,74, combinação perfeita. Mas, imagina se eu tivesse nascido avatar, como minha irmã, com 1,78! Jamais teria casado com o homem da minha vida! No fim das contas, TODA mulher sofre com esses padrões e, por isso, é tão deprimente ver mulheres compartilhando isso “apenas para rir um pouquinho”.

Treta número 2: os ovários da Angelina Jolie. Ontem fiquei sabendo que Angelina Jolie estava novamente nas manchetes, não com um filme, ou novo filho, ou projeto humanitário, mas uma nova cirurgia, dessa vez para retirar os ovários. E claro que fiquei sabendo disso através de um comentário preconceituoso, cheio de julgamento, de gente que não sabe, porque não quer saber, do que está falando. Para completar, o comentário foi seguido de piadas sobre retirar o coração porque tem histórico de infarto na família, e que para prevenir câncer, basta ter uma vida saudável.

Angelina Jolie tem histórico de cânceres de mama e ovários na família, tendo perdido a mãe, a tia e a avó assim. Atualmente, existem testes que provam se uma pessoa tem um gene (e não gen) de uma doença, o que é o caso dela para os genes desses dois cânceres. Não lembro de detalhes, mas basta buscar rapidamente no Google, que se encontra uma explicação clara dos nomes dos genes, de como eles atuam, e de como hoje se recomenda a cirurgia preventiva.

Apesar disso tudo, pessoas aleatórias ao redor do mundo, que nem conhecem Ms. Jolie, se acham no direito de acusar, julgar e condenar a atriz por se prevenir, já que estatisticamente as chances de ela desenvolver um desses cânceres são enormes. A reação foi a mesma há alguns anos quando ela removeu as mamas pelo mesmo motivo. Pergunto-me se, caso seu marido, Brad Pitt, passasse por cirurgia semelhante, haveria tanta condenação.

Não, não haveria. Provavelmente ele seria até exaltado como herói. O que está em jogo aqui é a mania, enfiada na cabeça de todos, e desconstruída por poucos até hoje, de se sentirem donos dos corpos das mulheres. De qualquer mulher, veja bem, não apenas aquelas conhecidas e próximas. Principalmente aquelas partes do corpo relacionadas à feminilidade e à reprodução. Aí vai a Dona Jolie e resolve mexer com os dois ao mesmo tempo? Como ousa?! É a mesma mania que dá a muitos o “direito” de se meterem no aborto alheio, e na gravidez alheia também, e até na vida de quem não quer filhos! Ou seja, nenhuma mulher escapa. Nem as que têm filhos. Nem as que abortam. Nem as que nunca engravidam. Nem a Angelina Jolie.

Muito menos a Angelina Jolie! Já não basta ela ter “roubado” o marido da Rachel, aquela fofa? Já não basta ser linda e milionária e casada com o Brad Pitt? Como ela ainda ousa retirar partes do corpo que não servem para absolutamente nada? Como ousar mexer com sua feminilidade de sex symbol? E com seu aparelho reprodutor? Ela “só” tem seis filhos! E se o marido quiser mais? E como fica o Brad Pitt sem os seios dela pra apalpar?

Em 1989, num sábado, morria Gilda Radner, atriz e comediante americana, que fez parte do elenco original do programa Saturday Night Life. Tinha 43 anos. Morreu de câncer no ovário, assim como várias mulheres de sua família. Na época, não havia teste genético, nem cirurgia preventiva. Se houvesse, seu talento ainda poderia estar aqui conosco, nos fazendo rir, e rir, pensando, o que não é fácil. Não teria nem 70 anos ainda. Angelina Jolie está chegando à idade em que Gilda morreu. E, para alguns, ela deveria deixar essa roleta russa rodando, e arriscar-se a morrer precocemente, deixando 6 filhos pequenos no mundo. Para serem criados pelo pai, que, claro, viraria o herói de toda a situação.

Muitos acreditam que Angelina Jolie deveria correr esse risco desnecessário, mantendo partes de seu corpo que não têm qualquer utilidade, além de satisfazer a necessidade alheia de controlar nossos corpos. O que essas pessoas não admitem é ver uma mulher com total controle sobre seu corpo, que não põe sua feminilidade ou reprodução acima de si mesma. Uma mulher que prefere prevenir o que pode ser prevenido, em vez de ficar doente e virar mártir depois. E o pior é ver muitas mulheres repetindo esse discurso. Eu acredito que essas pessoas poderiam mandar tirar seus cerébros, já que não os estão usando mesmo.  

Treta número 3: a bunda da Yoko Ono. Outra “amiga”, agora ex-amiga, postou aquela “piada” sobre nada ser pior que a bunda da Yoko. Eu nem ia comentar, porque, se a gente for comentar todos esses posts, não terá tempo para mais nada, então é saudável escolher as batalhas. Mas, como a prima da dona do post já tinha comentado, eu disse apenas que concordava com ela. Apareceram outras pessoas para discutir e, pronto, a treta tava armada. Eu pefiro nem entrar em treta, porque depois que entro... Mas, comprei a briga. Enfim, acabei excluindo a “amiga” e seguindo com a vida.

E por que a bunda da Yoko me levou a isso? A Yoko foi culpada pelo fim dos Beatles, nem merecia ser defendida. Claro, porque, afinal, quando quatro homens não conseguem ou não querem se manter juntos em uma banda, a culpa é de uma mulher, né, gente? Os Beatles estariam juntos até hoje, Lennon não teria sido assassinado (por um hmem), George não teria tido câncer e estariam tocando e gravando e fazendo shows, não fosse a Yoko aparecer na vida do John, aquela piranha japonesa! E é só uma bunda, afinal. Não, é só uma bunda DE MULHER. E ver outra mulher rindo de uma mulher por não se encaixar no padrão de beleza é, novamente, deprimente. Por quê? Porque TODAS NÓS, inclusive a tola que estava rindo, sofremos para alcançar esse padrão di-a-ria-men-te. E, o mais cruel: ninguém nos avisa que ele é inalcansável. Não podemos descansar um minuto, faltar um dia à academia, comer um chocolate, que a culpa ataca imediatamente. E, mesmo se resistimos à tentação, a culpa de ter pensado nisso também ataca. Podem acreditar. Sei do que estou falando. Cresci sendo “cheinha” e frustrada, mas desde os 18, foram tantas dietas, que já emagreci meu peso umas duas vezes. E ganhei todo de novo, claro. Perco peso fácil, fácil, mas se comer NORMALMENTE, ele volta. E olha que como muito pouco. É meu metabolismo e, só agora, com 37 anos, percebi que não adianta lutar contra. E, mais que isso, que não tenho por que lutar contra. Nunca me incomodei realmente com meu peso. O que sempre me incomodou foi meu pai falando que eu precisava emagrecer, as revistas falando que eu precisava emagrecer, o mundo me chamando de “gordinha”. Até essa primeira dieta, eu não usava blusa que não tivesse manga pelo menos até o cotovelo. No Rio de Janeiro! No Hell de Janeiro! E antes que a patrulha gordofóbica apareça, sempre fui saudável, ou melhor, o peso, que nunca foi muito acima do considerado NORMAL, nunca levou a nenhum problema de saúde. Exceto aos problemas psicológicos que eu tinha por não me sentir NORMAL.

Mas, homens também passam por isso! Tá, sempre temos que incluir os homens, né? Porque falar exclusivamente sobre mulheres é se vitimizar! Sim, homens passam por isso, mas não com a mesma intensidade. Eu cresci lendo Capricho. Alguém aí conhece alguma “revista masculina” como as revistas femininas que dominam as bancas? Não estou falando da Playboy. Alguém já viu revista masculina sobre como o corpo do homem deve ser para agradar as mulheres? Sobre as últimas dietas que vão te fazer perder 6 Kg em 2h30? Sobre a última moda que você não terá dinheiro para comprar, e ainda bem, porque não é adequada ao seu “tipo de corpo” mesmo (lembrando que, se você é gorda, nenhuma moda lhe servirá, só a plus size, se você não for enorme...)? E a publicidade? Uma coisa que sempre me intrigou... Por que modelos femininas são esquálidas e altíssimas – as plus size são mais magras que eu e as mignons chegam a ter 1,70 –, mas modelos masculinos se aproximam mais de um corpo de homem mediano? Nem tão magros, nem gordos, não muito musculosos, de altura mediana para um homem, com cabelo comum à maioria dos homens, com pele comum à maioria dos homens e sem nenhum padrão para os pelos do corpo, alguns mais, outros menos peludos, com ou sem barba. Não vou nem falar da indústria da beleza, e do fato que 90% dos produtos de beleza são para mulheres, porque só isso daria outro texto...


Em comum, essas três amigas com quem me confrontei têm o fato de serem professoras, terem graduação e pós-graduação, logo não se tratam de mulheres que compartilham essas coisas influenciadas por preconceitos religiosos, ou por não terem as ferramentas intelectuais para analisar melhor a informação e, principalmente o que está por trás dela. Muito pelo contrário, ao ser questionada, a ex-amiga respondeu do alto de sua arrogância de doutora em literatura e professora da UERJ, que eu e a prima dela estávamos exagerando e que não temos senso de humor. Na verdade, parece que, para algumas mulheres, quanto mais elas conquistam o sucesso profissional, e mais se “aproximam” dos homens, menos interessam a elas as questões femininas e feministas, como se elas pudessem evitar sofrer misoginia só porque, profissionalmente, alcançaram o “sucesso masculino”. Newsflash para vocês que pensam e agem assim: você é mulher também, amiga! A misoginia vai te alcançar, cedo ou tarde, mesmo com você rindo de quem luta contra ela. Quando você fala sobre a bunda da Yoko ou os ovários da Angelina, você está falando de TODAS NÓS. (Não, eu não errei por distração no título deste texto.) Está ajudando a perpetuar um padrão inalcançável de beleza, a perpetuar a paranoia na cabeça de todas que lerem aquilo e não virem apenas como uma piada (e mesmo na das que veem como piada). Eu sei bem, porque já fui assim, mas isso é assunto para outro texto...