ERRO NÚMERO 21: CÂNCER
NÃO É PIADA
Essa não é questão
de feminismo, é só de bom senso mesmo. Acho que nem preciso entrar
em muitos detalhes, né?
Se bem que ainda tem
gente, como Renato Aragão, que se lamenta que hoje não pode mais
fazer piada com certos assuntos. Sr. Didi, a verdade é que nunca
pôde, mas homens brancos heteros e de classe alta, como o senhor,
continuavam fazendo essas piadas, já que os grupos atingidos não
tinham qualquer voz. Hoje, ainda não temos muita voz, tanto é que
piadas assim ainda existem, mas a cada dia vamos em uma direção
sem volta nesse sentido. Felizmente.
Pros comediantes, resta
fazer piada boa, né? Aí vai ficar difícil pra alguns, e só
restarão os realmente competentes, pro bem do bom senso e da comédia
brasileira.
ERRO NÚMERO 22: NÃO
EXISTE MULHER MASCULINA
Comparar uma mulher
despida de feminilidade com um homem é um erro muito comum. Volta e
meia, a gente vê alguém descrever uma mulher como “masculina”,
e mesmo dentro do feminismo, isso acontece. Mulheres não são
masculinas, são despidas de feminilidade, e há uma enorme diferença
entre dizer as coisas dessas duas maneiras distintas.
Dizer que uma mulher é
“masculina” é dizer que ela aspira a ser algo que ela não é:
um homem. A mulher que se recusa a cumprir com os rituais de
feminilidade, seja por que motivo for, não o faz porque quer se
parecer com um homem, mas porque não quer se parecer com o que a
sociedade acredita ser uma mulher. Hoje em dia, isso seria ter cabelo
comprido e bem cuidado, pele lisa e bem cuidada (SEMPRE depilada),
unhas feitas e bem cuidadas, rosto maquiado (dependendo da ocasião),
enfim, já falei disso tudo aqui: http://tepergunteialgumacoisafeminista.blogspot.com.br/2015/05/mulher-da-cabeca-aos-pes.html. Mas, nada disso define o que é
ser mulher. Primeiro, porque esses padrões são históricos e
culturais, e o que é considerado feminino hoje pode um dia não ter
tido essa conotação. De qualquer forma, uma coisa é comum a todos
os rituais e marcadores de feminilidade, em qualquer cultura
patriarcal, em qualquer época: são sempre marcas e rituais de
fraqueza, delicadeza, submissão. E no estágio atual do capitalismo,
são também rituais que custam dinheiro. Mulheres investem um tempo
enorme na tarefa de se parecerem “mulheres”! Mulheres investem
boa parte de seus salários 30% menores que os de homens em se
parecerem “mulheres”! Mas, vou contar um segredo pra vocês: não
precisa de nada disso pra ser mulher! Mulher é aquele ser que, desde
a ultrassonografia, começa a ser socializada pra submissão, pra
obediência, pra autocrítica exagerada, pra dependência emotiva de
homens, pra acreditar em amor romântico e príncipe encantado, pro
trabalho doméstico e, também, pra parecer “feminina”. No
entanto, se recusar a se parecer feminina é apenas uma parte disso,
e não faz com que uma mulher deixe de ser mulher. E sabe por quê?
Porque ela não deixa de sofrer misoginia, ela não deixa de sofrer
com o machismo. Muitas mulheres até acreditam que ter aparência não
feminina garantirá a elas o respeito que homens têm, mas se
surpreendem quando isso não acontece. Muito pelo contrário, na
maioria dos casos, a mulher que não se submete aos rituais de
feminilidade sofre até mais misoginia, a qual pode se manifestar de
várias formas, desde caras estranhas na rua, passando pela perda de
oportunidades de emprego, até o estupro corretivo de lésbicas.
Enfim, mulheres que se recusam a se submeter a esses rituais não são
menos mulheres que as que se submetem. Assim como mulheres que se
submetem a isso, pelos mais diferentes motivos (trabalho,
insegurança...), também não são menos mulheres que outras. Não
adianta não cair em um erro, pra cair em outro, acreditando que
mulheres que se submetem a isso tudo são fúteis, não têm nada na
cabeça, porque todas nós somos impelidas a isso. Algumas têm um
olhar crítico sobre isso, mas ainda assim não deixam de cumprir
certos rituais por medo, ou pelos mais variados motivos. E a enorme
maioria não tem olhar crítico, porque somos levadas a realmente
acreditar que uma mulher não depilada é porca, ou uma mulher sem
maquiagem tem cara de doente, ou que uma mulher só usa cabelo curto
se tiver câncer ou outra doença!
Não, Nelson. A gente só não quer ser mulher segundo os padrões dos homens.
ERRO NÚMERO 23: NÃO
PERGUNTEM “VOCÊ TÁ DOENTE?” A MULHERES DE CABELO CURTO
Dito isso, fica
evidente que o processo de desconstrução da feminilidade acontece
em ritmos diferentes pra diferentes mulheres. Pra mim, foi muito
fácil parar com tudo de uma vez, sem síndrome de abstinência! Pra
outras mulheres, não é tão fácil. Muitas vivem disso, porque as
profissões ligadas aos cuidados cosméticos são ocupadas
predominantemente por mulheres. Enfim, não é fácil pra todas, pra
algumas é muito difícil. A enorme maioria jamais problematizará
nada disso.
E, certamente, uma
mulher que esteja passando por um câncer já está fragilizada
demais pra ainda querer mexer neste vespeiro que é a feminilidade.
Não é o momento de se dizer que o cabelo raspado tá moderno, ou
qualquer bobagem do tipo. E muito menos é momento de dizer que ela
está a cara do Justin Bieber! Eu, quando tinha cabelo comprido,
tinha pavor de ter qualquer doença que me fizesse ter que raspar ou
cortar os cabelos! Agora, tenho um sidecut made at home, e um amigo
perguntou se eu tinha operado a cabeça! Imagina então como se
sentem as mulheres que realmente passam por isso, e ainda têm que
responder a perguntas assim?
A verdade é que, se
não fôssemos cobradas 24 horas por dia, 7 dias por semana, desde os
12 anos, com base nos rituais de feminilidade, haveria várias
mulheres de cabeça raspada por aí, assim como há homens. Logo,
ninguém acharia estranho uma mulher raspar a cabeça
voluntariamente, ninguém perguntaria se aquela mulher tá doente (o
que, no caso de mulheres que realmente estão doentes, acaba
contribuindo pra elas piorarem!). O homem com câncer não sofre o
mesmo estigma que a mulher com câncer, pois ninguém o diferencia na
multidão pela falta de cabelo. Já viram aqueles meninos
adolescentes fofos que, quando um colega de colégio tem câncer,
todos raspam a cabeça? Mulheres não são unidas, jamais fazem isso
pelas amigas! Óbvio, porque tem o mesmo peso pra uma mulher raspar a
cabeça que tem pra um homem! Falsa simetria mandou lembranças pra
quem disse isso.
Então, quando eu vi
esse post na minha TL, me coloquei no lugar de todas as mulheres que
tiveram/têm/terão câncer e passarão pelo que o personagem da
Carolina Dieckmann passou nessa novela e pelo que a atriz, menos
tragicamente, passou na vida real, já que ela realmente raspou a
cabeça pro papel e, embora não tenha sofrido com o câncer,
certamente deve ter sofrido pela perda dos cabelos, e pelo tanto de
merda que deve ter ouvido.