ERRO NÚMERO 18: MULHER
SE VESTE PROS OUTROS, SIM
À primeira vista, esse
post parece a favor das mulheres, já que ratifica a ideia, já
falada aqui duas outras vezes, de que mulher não precisa de homem.
Só que, embora Cinderela não queira um príncipe, ela quer um
sapato e um vestido, pra se vestir exatamente como... “aquelas que
querem um príncipe”!
Mas, eu não me visto
pros homens, nem pra ninguém, me visto pra mim mesma. Sim, muitas
mulheres dizem isso. Pergunta pra vocês: quantas de vocês já se
arrumaram dos pés à cabeça, com tudo o que é necessário pra uma
festa de gala, só pra ficar em casa vendo TV consigo mesma? Nenhuma,
né? Quantas já colocaram vestido longo (e todos os apetrechos por
baixo, “pra calcinha não marcar”, “pra barriga não marcar”,
“pro sutiã não aparecer” etc), meia-calça, salto alto,
maquiagem de noite e fizeram cabelo, pra ficar em casa tomando
sorvete e lendo um livro? Quando não tem ninguém olhando, a gente
quer mais é vestir algo confortável, como um moletom largo. Então,
parem de mentir pros outros e, pior, parem de mentir pra si mesmas. A
gente se arruma pro mundo, sim, porque, senão, sairíamos todo dia
de moletom dos pés à cabeça.
Mas, se arrumar pro
mundo não é o mesmo que se arrumar pros homens! Não, não é, mas
é pelo menos 50% pros homens, já que eles são mais ou menos 50% da
população mundial! Então, ao se arrumar “pro mundo”, você
está, sim, agradando aos olhos masculinos. E, mais do que isso,
está, sim, cumprindo a “tarefa”, que o patriarcado nos dá, de
enfeitar o mundo; está, sim, cumprindo a tarefa de se portar como um
objeto (e não um sujeito) delicado, fraco, e que precisa de ajuda
pra tudo, porque mal consegue se mexer dentro do vestido e do sapato
apertado; porque mal pode virar a cabeça pro lado “pra não
bagunçar o cabelo”; porque não pode abrir a porta do carro “pra
não quebrar a unha”; porque não pode suar “pra não borrar a
maquiagem” etc.
ERRO NÚMERO 19: O
SALTO-ALTO
A vestimenta
tipicamente feminina, pra uma festa no estilo baile da Cinderela, é
o ápice de um ritual de autotortura, auto-objetificação,
automutilação, enfim, automodificação que beira a doença, isso
quando não leva literalmente à doença. E o salto-alto é o ápice
desse ápice!
Dizem que o salto-alto
foi inventado por um homem, um daqueles Luíses, de França, que era
baixinho e queria ficar mais alto. Ironicamente, ou nem tanto, os
homens não aderiram à moda, e as mulheres, sim! Algum homem deve
ter percebido o potencial de objetificação e de dominação do
salto-alto, e pensou “vamos empurrar essa ideia pra cima delas”.
De lá pra cá, a altura dos saltos só aumentou, proporcionalmente
aos problemas de saúde das mulheres, e à sua dominação pelos
homens.
Sapatos de salto-alto
acabam com nossos pés. Já dizia a Rachel, de Friends, quando
a Monica compra uma bota caríssima, mas que a faz literalmente
sangrar: “Me dá a bota. Eu já não sinto meus pés há anos!”.
Recentemente, um sujeito resolveu andar de salto-alto 24 horas, pra
provar que mulheres reclamam demais. Não conseguiu aguentar a dor
por 11 horas! Já perceberam que muitas mulheres de uma certa idade
pra cima têm joanetes? Eu atribuo isso ao fato de que antigamente
mulheres usavam salto quase o tempo todo, ou sapatos menos altos, mas
de bico muito fino. “Felizmente”, a indústria dos tênis – com
seus calçados multicoloridos de R$700,00, fabricados por escravos na
China – acabou com isso. Mas, como ninguém vai de Nike a uma festa
de formatura (a não ser alguns homens; sim, já vi homem de tênis
em festa black-tie), ainda somos “obrigadas” a usar salto-alto em
algumas ocasiões (algumas mulheres ainda são obrigadas a usar todo
dia, dependendo de seus empregos).
Além dos problemas de
saúde que podem causar, sem falar dos acidentes que também podem
causar, sapatos de salto-alto facilitam a dominação masculina. Já
tentou correr de salto alto? Fora as agentes da CIA e policiais de
Nova Iorque de séries de TV, não conheço uma mulher que consiga
correr de salto alto, facilitando, assim, que nos tornemos presas pra
assaltantes e, principalmente, estupradores. Aliás, a própria
Cinderela perde um dos sapatos, ao correr do príncipe, né? Sorte
dela que ele tinha “as melhores intenções”, porque, se esse
príncipe fosse um estuprador, Cinderela poderia nem ter sobrevivido
e se tornado princesa.
Na última festa a que
fui, há uns dois anos e meio, e quando eu ainda era feminista sem
noção, simplesmente não conseguia andar com o sapato que tinha
comprado especialmente pra festa. Devia ter comprado um mais
confortável, oras! Bom, rodei TODAS as sapatarias da minha cidade e
não encontrei nenhum sapato de salto “de festa” com o qual
conseguisse andar. Será que se eu fosse à cidade vizinha teria
encontrado, ou será que TODOS os sapatos de festa “femininos”
são assim? Ah, você que não sabe usar salto! Ou seja, mulher “que
é mulher” tem que aprender a andar de salto, lá pelos 12 anos, e,
se não consegue, é culpa sua, não do fato de que esses sapatos não
são feitos pra ninguém andar com eles nos pés! Enfim, fiquei
sentada quase a festa toda, porque é meu estilo mesmo e porque,
mesmo que quisesse, não conseguia dar mais de dez passos, e acabei a
noite andando descalça por dois quarteirões, em plena rua 15, às
2:00 da manhã, com os sapatos na mão, porque já não conseguia
mais dar um passo do carro até o hotel. Se algum dia eu for
novamente a alguma festa assim, porque evito até não poder mais,
dificilmente usarei um sapato de salto-alto. Aliás, dificilmente
usarei um vestido de festa também. São caros e só podem ser usados
uma vez, pra festas onde vão o mesmo público. Se bem que combinar
um vestido de chifon com um coturno seria legal. Mas, acho que, se
algum dia eu voltar a ir a festas, irei de roupa “de homem”
mesmo.
ERRO NÚMERO 20:
CINDERELA QUER É EQUIDADE!
Dizer que Cinderela não
queria um príncipe, mas sim um sapato e um vestido, é dizer que
Cinderela se conforma com muito, muito pouco. É trocar seis por meia
dúzia, nas imposições que nos são feitas pelo patriarcado. É
dizer que mulheres não precisam de homens, mas precisam de sapatos e
roupas, mais do que de respeito, e outras coisinhas básicas.
Cinderela quer é ganhar a mesma coisa que o príncipe, e não 30%
menos. Cinderela quer é ter as mesmas oportunidades de estudo e
trabalho. Cinderela quer é poder decidir sobre seu próprio corpo, e
não tê-lo controlado pelo Estado. Cinderela quer é voltar da festa
à meia-noite, desacompanhada, sem medo de ser atacada, E AINDA
culpabilizada pela violência sofrida. Cinderela quer é ser forte e
assertiva, sem ser, por isso, chamada de “masculina”, ou mal
amada, ou mal comidzzzz... Cinderela quer é ser livre, como só
homens podem ser. Cinderela quer, enfim, é ser reconhecida como ser
humano, e não apenas como um objeto enfiado dentro de um sapato e de
um vestido apertados.
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