domingo, 12 de julho de 2015

JOGO DOS SETE MIL ERROS - 18-20


ERRO NÚMERO 18: MULHER SE VESTE PROS OUTROS, SIM

À primeira vista, esse post parece a favor das mulheres, já que ratifica a ideia, já falada aqui duas outras vezes, de que mulher não precisa de homem. Só que, embora Cinderela não queira um príncipe, ela quer um sapato e um vestido, pra se vestir exatamente como... “aquelas que querem um príncipe”!

Mas, eu não me visto pros homens, nem pra ninguém, me visto pra mim mesma. Sim, muitas mulheres dizem isso. Pergunta pra vocês: quantas de vocês já se arrumaram dos pés à cabeça, com tudo o que é necessário pra uma festa de gala, só pra ficar em casa vendo TV consigo mesma? Nenhuma, né? Quantas já colocaram vestido longo (e todos os apetrechos por baixo, “pra calcinha não marcar”, “pra barriga não marcar”, “pro sutiã não aparecer” etc), meia-calça, salto alto, maquiagem de noite e fizeram cabelo, pra ficar em casa tomando sorvete e lendo um livro? Quando não tem ninguém olhando, a gente quer mais é vestir algo confortável, como um moletom largo. Então, parem de mentir pros outros e, pior, parem de mentir pra si mesmas. A gente se arruma pro mundo, sim, porque, senão, sairíamos todo dia de moletom dos pés à cabeça.

Mas, se arrumar pro mundo não é o mesmo que se arrumar pros homens! Não, não é, mas é pelo menos 50% pros homens, já que eles são mais ou menos 50% da população mundial! Então, ao se arrumar “pro mundo”, você está, sim, agradando aos olhos masculinos. E, mais do que isso, está, sim, cumprindo a “tarefa”, que o patriarcado nos dá, de enfeitar o mundo; está, sim, cumprindo a tarefa de se portar como um objeto (e não um sujeito) delicado, fraco, e que precisa de ajuda pra tudo, porque mal consegue se mexer dentro do vestido e do sapato apertado; porque mal pode virar a cabeça pro lado “pra não bagunçar o cabelo”; porque não pode abrir a porta do carro “pra não quebrar a unha”; porque não pode suar “pra não borrar a maquiagem” etc.

ERRO NÚMERO 19: O SALTO-ALTO

A vestimenta tipicamente feminina, pra uma festa no estilo baile da Cinderela, é o ápice de um ritual de autotortura, auto-objetificação, automutilação, enfim, automodificação que beira a doença, isso quando não leva literalmente à doença. E o salto-alto é o ápice desse ápice!

Dizem que o salto-alto foi inventado por um homem, um daqueles Luíses, de França, que era baixinho e queria ficar mais alto. Ironicamente, ou nem tanto, os homens não aderiram à moda, e as mulheres, sim! Algum homem deve ter percebido o potencial de objetificação e de dominação do salto-alto, e pensou “vamos empurrar essa ideia pra cima delas”. De lá pra cá, a altura dos saltos só aumentou, proporcionalmente aos problemas de saúde das mulheres, e à sua dominação pelos homens.

Sapatos de salto-alto acabam com nossos pés. Já dizia a Rachel, de Friends, quando a Monica compra uma bota caríssima, mas que a faz literalmente sangrar: “Me dá a bota. Eu já não sinto meus pés há anos!”. Recentemente, um sujeito resolveu andar de salto-alto 24 horas, pra provar que mulheres reclamam demais. Não conseguiu aguentar a dor por 11 horas! Já perceberam que muitas mulheres de uma certa idade pra cima têm joanetes? Eu atribuo isso ao fato de que antigamente mulheres usavam salto quase o tempo todo, ou sapatos menos altos, mas de bico muito fino. “Felizmente”, a indústria dos tênis – com seus calçados multicoloridos de R$700,00, fabricados por escravos na China – acabou com isso. Mas, como ninguém vai de Nike a uma festa de formatura (a não ser alguns homens; sim, já vi homem de tênis em festa black-tie), ainda somos “obrigadas” a usar salto-alto em algumas ocasiões (algumas mulheres ainda são obrigadas a usar todo dia, dependendo de seus empregos).

Além dos problemas de saúde que podem causar, sem falar dos acidentes que também podem causar, sapatos de salto-alto facilitam a dominação masculina. Já tentou correr de salto alto? Fora as agentes da CIA e policiais de Nova Iorque de séries de TV, não conheço uma mulher que consiga correr de salto alto, facilitando, assim, que nos tornemos presas pra assaltantes e, principalmente, estupradores. Aliás, a própria Cinderela perde um dos sapatos, ao correr do príncipe, né? Sorte dela que ele tinha “as melhores intenções”, porque, se esse príncipe fosse um estuprador, Cinderela poderia nem ter sobrevivido e se tornado princesa.

Na última festa a que fui, há uns dois anos e meio, e quando eu ainda era feminista sem noção, simplesmente não conseguia andar com o sapato que tinha comprado especialmente pra festa. Devia ter comprado um mais confortável, oras! Bom, rodei TODAS as sapatarias da minha cidade e não encontrei nenhum sapato de salto “de festa” com o qual conseguisse andar. Será que se eu fosse à cidade vizinha teria encontrado, ou será que TODOS os sapatos de festa “femininos” são assim? Ah, você que não sabe usar salto! Ou seja, mulher “que é mulher” tem que aprender a andar de salto, lá pelos 12 anos, e, se não consegue, é culpa sua, não do fato de que esses sapatos não são feitos pra ninguém andar com eles nos pés! Enfim, fiquei sentada quase a festa toda, porque é meu estilo mesmo e porque, mesmo que quisesse, não conseguia dar mais de dez passos, e acabei a noite andando descalça por dois quarteirões, em plena rua 15, às 2:00 da manhã, com os sapatos na mão, porque já não conseguia mais dar um passo do carro até o hotel. Se algum dia eu for novamente a alguma festa assim, porque evito até não poder mais, dificilmente usarei um sapato de salto-alto. Aliás, dificilmente usarei um vestido de festa também. São caros e só podem ser usados uma vez, pra festas onde vão o mesmo público. Se bem que combinar um vestido de chifon com um coturno seria legal. Mas, acho que, se algum dia eu voltar a ir a festas, irei de roupa “de homem” mesmo.

ERRO NÚMERO 20: CINDERELA QUER É EQUIDADE!

Dizer que Cinderela não queria um príncipe, mas sim um sapato e um vestido, é dizer que Cinderela se conforma com muito, muito pouco. É trocar seis por meia dúzia, nas imposições que nos são feitas pelo patriarcado. É dizer que mulheres não precisam de homens, mas precisam de sapatos e roupas, mais do que de respeito, e outras coisinhas básicas. Cinderela quer é ganhar a mesma coisa que o príncipe, e não 30% menos. Cinderela quer é ter as mesmas oportunidades de estudo e trabalho. Cinderela quer é poder decidir sobre seu próprio corpo, e não tê-lo controlado pelo Estado. Cinderela quer é voltar da festa à meia-noite, desacompanhada, sem medo de ser atacada, E AINDA culpabilizada pela violência sofrida. Cinderela quer é ser forte e assertiva, sem ser, por isso, chamada de “masculina”, ou mal amada, ou mal comidzzzz... Cinderela quer é ser livre, como só homens podem ser. Cinderela quer, enfim, é ser reconhecida como ser humano, e não apenas como um objeto enfiado dentro de um sapato e de um vestido apertados.  

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