terça-feira, 28 de julho de 2015

JOGO DOS 7000 MIL ERROS - 21-23


ERRO NÚMERO 21: CÂNCER NÃO É PIADA

Essa não é questão de feminismo, é só de bom senso mesmo. Acho que nem preciso entrar em muitos detalhes, né?

Se bem que ainda tem gente, como Renato Aragão, que se lamenta que hoje não pode mais fazer piada com certos assuntos. Sr. Didi, a verdade é que nunca pôde, mas homens brancos heteros e de classe alta, como o senhor, continuavam fazendo essas piadas, já que os grupos atingidos não tinham qualquer voz. Hoje, ainda não temos muita voz, tanto é que piadas assim ainda existem, mas a cada dia vamos em uma direção sem volta nesse sentido. Felizmente.

Pros comediantes, resta fazer piada boa, né? Aí vai ficar difícil pra alguns, e só restarão os realmente competentes, pro bem do bom senso e da comédia brasileira.

ERRO NÚMERO 22: NÃO EXISTE MULHER MASCULINA

Comparar uma mulher despida de feminilidade com um homem é um erro muito comum. Volta e meia, a gente vê alguém descrever uma mulher como “masculina”, e mesmo dentro do feminismo, isso acontece. Mulheres não são masculinas, são despidas de feminilidade, e há uma enorme diferença entre dizer as coisas dessas duas maneiras distintas.

Dizer que uma mulher é “masculina” é dizer que ela aspira a ser algo que ela não é: um homem. A mulher que se recusa a cumprir com os rituais de feminilidade, seja por que motivo for, não o faz porque quer se parecer com um homem, mas porque não quer se parecer com o que a sociedade acredita ser uma mulher. Hoje em dia, isso seria ter cabelo comprido e bem cuidado, pele lisa e bem cuidada (SEMPRE depilada), unhas feitas e bem cuidadas, rosto maquiado (dependendo da ocasião), enfim, já falei disso tudo aqui: http://tepergunteialgumacoisafeminista.blogspot.com.br/2015/05/mulher-da-cabeca-aos-pes.html. Mas, nada disso define o que é ser mulher. Primeiro, porque esses padrões são históricos e culturais, e o que é considerado feminino hoje pode um dia não ter tido essa conotação. De qualquer forma, uma coisa é comum a todos os rituais e marcadores de feminilidade, em qualquer cultura patriarcal, em qualquer época: são sempre marcas e rituais de fraqueza, delicadeza, submissão. E no estágio atual do capitalismo, são também rituais que custam dinheiro. Mulheres investem um tempo enorme na tarefa de se parecerem “mulheres”! Mulheres investem boa parte de seus salários 30% menores que os de homens em se parecerem “mulheres”! Mas, vou contar um segredo pra vocês: não precisa de nada disso pra ser mulher! Mulher é aquele ser que, desde a ultrassonografia, começa a ser socializada pra submissão, pra obediência, pra autocrítica exagerada, pra dependência emotiva de homens, pra acreditar em amor romântico e príncipe encantado, pro trabalho doméstico e, também, pra parecer “feminina”. No entanto, se recusar a se parecer feminina é apenas uma parte disso, e não faz com que uma mulher deixe de ser mulher. E sabe por quê? Porque ela não deixa de sofrer misoginia, ela não deixa de sofrer com o machismo. Muitas mulheres até acreditam que ter aparência não feminina garantirá a elas o respeito que homens têm, mas se surpreendem quando isso não acontece. Muito pelo contrário, na maioria dos casos, a mulher que não se submete aos rituais de feminilidade sofre até mais misoginia, a qual pode se manifestar de várias formas, desde caras estranhas na rua, passando pela perda de oportunidades de emprego, até o estupro corretivo de lésbicas. Enfim, mulheres que se recusam a se submeter a esses rituais não são menos mulheres que as que se submetem. Assim como mulheres que se submetem a isso, pelos mais diferentes motivos (trabalho, insegurança...), também não são menos mulheres que outras. Não adianta não cair em um erro, pra cair em outro, acreditando que mulheres que se submetem a isso tudo são fúteis, não têm nada na cabeça, porque todas nós somos impelidas a isso. Algumas têm um olhar crítico sobre isso, mas ainda assim não deixam de cumprir certos rituais por medo, ou pelos mais variados motivos. E a enorme maioria não tem olhar crítico, porque somos levadas a realmente acreditar que uma mulher não depilada é porca, ou uma mulher sem maquiagem tem cara de doente, ou que uma mulher só usa cabelo curto se tiver câncer ou outra doença!


Não, Nelson. A gente só não quer ser mulher segundo os padrões dos homens.

ERRO NÚMERO 23: NÃO PERGUNTEM “VOCÊ TÁ DOENTE?” A MULHERES DE CABELO CURTO

Dito isso, fica evidente que o processo de desconstrução da feminilidade acontece em ritmos diferentes pra diferentes mulheres. Pra mim, foi muito fácil parar com tudo de uma vez, sem síndrome de abstinência! Pra outras mulheres, não é tão fácil. Muitas vivem disso, porque as profissões ligadas aos cuidados cosméticos são ocupadas predominantemente por mulheres. Enfim, não é fácil pra todas, pra algumas é muito difícil. A enorme maioria jamais problematizará nada disso.

E, certamente, uma mulher que esteja passando por um câncer já está fragilizada demais pra ainda querer mexer neste vespeiro que é a feminilidade. Não é o momento de se dizer que o cabelo raspado tá moderno, ou qualquer bobagem do tipo. E muito menos é momento de dizer que ela está a cara do Justin Bieber! Eu, quando tinha cabelo comprido, tinha pavor de ter qualquer doença que me fizesse ter que raspar ou cortar os cabelos! Agora, tenho um sidecut made at home, e um amigo perguntou se eu tinha operado a cabeça! Imagina então como se sentem as mulheres que realmente passam por isso, e ainda têm que responder a perguntas assim?

A verdade é que, se não fôssemos cobradas 24 horas por dia, 7 dias por semana, desde os 12 anos, com base nos rituais de feminilidade, haveria várias mulheres de cabeça raspada por aí, assim como há homens. Logo, ninguém acharia estranho uma mulher raspar a cabeça voluntariamente, ninguém perguntaria se aquela mulher tá doente (o que, no caso de mulheres que realmente estão doentes, acaba contribuindo pra elas piorarem!). O homem com câncer não sofre o mesmo estigma que a mulher com câncer, pois ninguém o diferencia na multidão pela falta de cabelo. Já viram aqueles meninos adolescentes fofos que, quando um colega de colégio tem câncer, todos raspam a cabeça? Mulheres não são unidas, jamais fazem isso pelas amigas! Óbvio, porque tem o mesmo peso pra uma mulher raspar a cabeça que tem pra um homem! Falsa simetria mandou lembranças pra quem disse isso.


Então, quando eu vi esse post na minha TL, me coloquei no lugar de todas as mulheres que tiveram/têm/terão câncer e passarão pelo que o personagem da Carolina Dieckmann passou nessa novela e pelo que a atriz, menos tragicamente, passou na vida real, já que ela realmente raspou a cabeça pro papel e, embora não tenha sofrido com o câncer, certamente deve ter sofrido pela perda dos cabelos, e pelo tanto de merda que deve ter ouvido.  

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