quarta-feira, 24 de junho de 2015

PELO DIREITO DE SER "GROSSA"

Uma moça está triste, chorando, num ônibus. Um rapaz diz que não gosta de ver mulheres tristes e lhe oferece um chocolate. Ela fica menos triste, e depois escreve um texto agradecendo a esse rapaz na net, mesmo não o conhecendo.

No post dela, muitos comentam como ela atrai boas coisas, por ser boa, como ele estava também sendo bom, e mais um monte de coisa paz e amor desse tipo.

Uma mulher comenta que, estando na mesma situação, reagiria de outra maneira, pois não gosta desse tipo de invasão do seu espaço, e muito menos que coloquem a mão nela. Ela comenta que vê isso como uma imposição do mundo machista, em que mulheres têm que 1. estar sempre felizes pra enfeitar o mundo; 2. aceitar qualquer gentileza de homem, com um sorriso no rosto, mesmo que aquele homem esteja invadindo seu espaço. Além disso, ele poderia ter segundas intenções, como abusar da moça distraída com o próprio choro, o que não é nada de incomum, acontece todo dia.

Chovem comentários de homens e mulheres ridicularizando a mulher que fez o comentário acima. É louca. É ridícula. Está de mal com o mundo. É mal comida. É mal amada. Ele só queria ajudar.

A mulher ainda se dá ao trabalho de argumentar que, independente das intenções dele, que ela não tem o dever de ser fofa, e que, na mesma situação, qualquer homem faria o que ela faria, nenhum homem jamais aceitaria esse tipo de abordagem, vinda de outro homem, num ônibus.

Os comentários continuam no mesmo ritmo, com o mesmo conteúdo: louca, mal amada, “feminismo radical é pior que machismo”.

A mulher desiste de argumentar e sai da conversa se perguntando pra que continuar vivendo nesse mundo de bosta. A mulher senta e escreve esse texto.


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Um rapaz está triste, chorando, num ônibus. Outro rapaz diz que não gosta de ver homens tristes e lhe oferece um chocolate. O primeiro rapaz mete a mão na cara do rapaz do chocolate, e escreve um texto na net desabafando, dizendo que hoje em dia não se pode nem mais ficar triste sem que seu espaço seja invadido. E ainda diz que o outro devia ser viado, e queria alguma coisa com ele.

No post dele, muitos homens e mulheres comentam como ele fez o certo, que é um absurdo alguém não respeitar o seu momento de choro, e ainda por cima dizer que não gosta de ver homem chorando. Homem pode chorar sim, quando quiser. Além disso, ele poderia ter segundas intenções, como roubar o rapaz distraído com o próprio choro, ou até seduzi-lo.

Um homem comenta que, na mesma situação, teria sido gentil com o rapaz, que ele só queria ajudar.

Chovem comentários ridicularizando esse homem. Você é um banana. Só pode ser viado! Não vê que o outro tava invadindo o espaço dele? Não vê que devia ter segundas intenções? Como alguém pode ser tão ingênuo nesse mundo e achar que se deve retribuir a esse tipo de abordagem de um estranho com um sorriso? E, mesmo que ele não tivesse segundas intenções, ninguém tem o direito de interromper o choro alheio assim, e ainda dizer que não gosta de ver homem triste! Como assim?

O homem ainda se dá ao trabalho de argumentar, dizendo que é um direito dele ser gentil com os outros.

Os comentários continuam no mesmo ritmo e com o mesmo conteúdo: viado, banana, ingênuo, depois morre e não sabe por quê.

O homem sai da conversa convencido de que, realmente, o outro poderia ter segundas intenções e é melhor ser cauteloso mesmo. Ou, de qualquer forma, ele não quer ser chamado de viado na net, então melhor ficar calado.

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Qual dessas duas histórias é verdadeira? Quem foi ridicularizada apenas por dizer que se comportaria exatamente como é esperado que um homem se comporte? E por que essa pessoa foi ridicularizada? Por que não é dado à mulher o direito de reagir com grosseria a uma abordagem igualmente grosseira, mesmo que disfarçada de fofurice? Por que não é dado à mulher nem o direito de desconfiar das intenções de um homem, se vivemos num mundo em que homens fazem esse tipo de coisa e usam esse tipo de discurso todo dia, com intenções outras que não apenas tirar alguém da sua tristeza? Enfim, por que mulheres que são “grossas” são ridicularizadas, e homens “grossos” são assertivos? Por que homens que desconfiam de segundas intenções são cautelosos, e mulheres que fazem o mesmo são loucas ridículas? E, finalmente, por que não nos é dado o direito ao nosso próprio espaço como a eles é dado?


Não precisam responder, porque eu sei exatamente as respostas pra tudo isso, mas tô tão cansada que não vou desenvolver mais esse texto aqui.  

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