quinta-feira, 18 de junho de 2015

JOGO DOS 7 MIL ERROS - 15-17


ERRO NÚMERO 15: MULHER NÃO PRECISA DE HOMEM 2

Antes de mais nada, o óbvio: mulher não precisa de homem. Já falei disso antes, mas vamos lá de novo... Mulheres são socializadas, desde que nascem, pra realmente acreditarem que precisam de um homem. Toda a sociedade gira em torno de dizer pra mulher que ela é uma inútil se não tiver um homem ao seu lado. Isso não ocorre com homens. Solteirão não tem a mesma conotação que solteirona. Dificilmente alguém diz também que um homem está encalhado. Se um homem está sozinho, as pessoas supõem que é porque ele quer, ou porque não aturou a chata da última mulher que esteve com ele. Se uma mulher está sozinha, esta nunca é a suposição. A suposição é sempre que o homem que não aturou a chatice dela, que ela não conseguiu "segurar" o homem. Ou dizem também, acabei de saber, que ela é fria e tem o coração de pedra! A enorme maioria das mulheres acaba acreditando nisso, até sem perceber. E muitas sofrem por nunca terem casado e/ou por estarem sozinhas. Mas, não porque a solidão realmente incomoda, e sim porque os julgamentos, as perguntas inconvenientes, as piadinhas incomodam. E, assim, acreditamos que estaríamos realmente mais felizes junto com um homem. Mesmo quando ouvimos tantas notícias de feminicídio, violência contra a mulher pelo próprio parceiro, ainda assim achamos que seria melhor ter um homem ao nosso lado. Não tinha até uma peça de teatro chamada "Não sou feliz mas tenho marido"? Mas, uai, o marido não era a condição necessária pra ser feliz? Então, nos enganaram a vida toda?!

Além disso, o post esquece totalmente da existência de mulheres lésbicas. Aliás, não é de se estranhar, já que lésbicas são um dos grupos mais apagados e silenciados em nosso mundo. O post provavelmente supõe que, se uma mulher é lésbica, deve ser algum trauma, ou porque ainda não encontrou o homem ideal. O mundo não admite a existência de mulheres que não querem nada com homens. O mundo não supõe isso sobre homens. Já viu alguém dizer pra um homem gay que ele é gay porque não encontrou a mulher ideal? Jamais. Acho até que muito homem hetero tem inveja dos gays, que não precisam aturar a chatice de mulheres.

ERRO NÚMERO 16: AUDREY HEPBURN NÃO É SÓ UMA CARINHA BONITA

Parem de futilizar a imagem de Audrey Hepburn. Essa mulher cresceu na Segunda Guerra Mundial, época em que chegou a passar fome, o que fez com que fosse sempre muito magra e com que não crescesse muito em altura. Fez parte da resistência, apesar de ser apenas uma adolescente, e usava sua bicicleta e sua aparência de inofensiva pra levar e trazer mensagens daqueles que se escondiam dos alemães. Também dançava em espetáculos pra ganhar dinheiro pra resistência. Ela era bailarina então. Como nunca seria uma primeira bailarina (não devido ao talento, mas a seu porte físico muito franzino, devido às condições em que viveu durante a guerra), acabou migrando pro teatro e depois pro cinema, em que ficou mundialmente famosa. Não bastando, no fim da vida, ainda foi embaixadora da Unicef, e ajudou milhares de pessoas no mundo todo. Morreu muito, muito cedo, aos 64 anos.

E hoje deve estar se revirando no túmulo com o tanto de mensagem fútil que publicam usando sua imagem!

ERRO NÚMERO 17: MULHERZINHA NÃO É OFENSA

O que seria um homem mais homem que uma mulher? Eu sempre achei que todo homem era mais homem que qualquer mulher, e toda mulher era mais mulher que qualquer homem. Assim como todo abacaxi é mais abacaxi que qualquer maçã, e toda maçã é mais maçã que qualquer abacaxi. A diferença é: entre abacaxis e maçãs não há nenhuma hierarquia social. São frutas diferentes, que nascem em lugares diferentes e não têm nada a ver uma com a outra (Embora abacaxi em inglês seja pineapple, e maçã, apple, vai saber por quê.). Você pode gostar mais de uma do que da outra e isso é algo totalmente pessoal.

Mas, entre homens e mulheres existe uma hierarquia social, e ao afirmar o que afirma, o post ajuda a naturalizar essa hierarquia. Um homem mais homem que uma mulher quer dizer um homem que não faça o que mulheres fazem, que não seja fresco, que não chore à toa, que não seja chato, que seja forte fisicamente, e tenha habilidades que as mulheres não se preocupam em desenvolver, não porque não possam, mas porque "é coisa de homem". Ter um homem mais homem que você significa não precisar ser forte, poder chorar quando quiser, poder ser fresca, não precisar saber consertar a máquina de lavar, como se 1. Toda mulher fosse sempre assim, 2. Toda mulher quisesse ser assim, 3. Toda mulher não pudesse ser assim sem, pra isso, precisar de um homem, e 4. Ser assim (chata, chorona, fraca) fosse algo intrinsecamente ruim e que naturalmente pertencesse ao sexo feminino.

Vamos focar no ponto 4. Ser fresca, chata, fraca não é algo que nasce com as mulheres. É algo que aprendemos durante nossa socialização, desde o berço, enquanto os meninos aprendem a ser sem frescuras, sem chatices, fortes. Aprendemos a gritar, quando vemos uma barata, eles aprendem a correr atrás dela e matá-la. Aprendemos a levar horas nos arrumando, pra ficarmos perfeitas como a sociedade quer, enquanto eles aprendem que não estar fedendo é suficiente. Aprendemos a discutir nossos sentimentos (chatice), enquanto eles aprendem a se fechar. Aprendemos que subir no telhado, consertar coisas, até trocar lâmpada é coisa de homem, e acabamos nos tornando umas inúteis em nossas próprias casas. Aprendemos que certos trabalhos exigem força masculina, como carregar peso. Aliás, aprendemos até que não podemos abrir uma porta ou puxar uma cadeira, deixem isso pro cavalheiro! Enquanto isso, eles aprendem que abrir portas e carregar peso pra mulheres é um ato nobre, cavalheirismo, e não apenas machismo e diminuição de nossas capacidades. Vejam como a coisa é sutil e bem engendrada: a gente aprende a fazer escândalo por causa de barata e, quando fazemos, somos chamadas de frescas! Aprendemos a ficar horas nos arrumando e, quando conseguimos, escutamos que mulher é fútil. Não aprendemos a consertar coisas e, por não sabermos, somos chamadas de inúteis. Aprendemos a não desenvolver a força física, porque quem vai querer ficar com uma mulher musculosa, que briga na rua? E, assim, somos chamadas de fracas e dependentes. Aprendemos a ser tudo aquilo que será usado contra nós, não é brilhante?

Além disso, ao falar de um homem mais homem que ela, usa-se a palavra homem como substantivo e como adjetivo. O adjetivo homem é sempre usado de maneira positiva, pra falar de algo que queremos ser: fortes, decididos, sem frescura. Seja homem! Já a palavra mulher, quando usada como adjetivo, é sempre negativa. Uma mulher que é muito mulher é fresca, chata, fraca. Mu-lher-zi-nha! Aliás, mulherzinha é usado como ofensa, seja contra mulheres, seja contra homens. Por isso, ninguém diz que todo homem precisa de uma mulher mais mulher que ele, porque isso não seria elogio, mas ofensa. Enfim, ser um homem muito homem é algo duplamente bom; ser uma mulher muito mulher é algo duplamente ruim.


E, o mais absurdo, o adjetivo homem só é algo ruim em uma situação: quando aplicado ao substantivo mulher. Uma mulher que é muito homem não é legal, ninguém vai querer ficar com ela, é mal amada, mal comida, infeliz, revoltada. Uma aberração. Como ousa? Nesse caso, não importa que a mulher seja muito homem na aparência ou na personalidade. Ambas sofrerão. Mulheres de aparência masculina são discriminadas. Mulheres que até têm aparência feminina, mas atitude “de homem”, também são discriminadas. Mulher não pode falar alto, não pode defender suas ideias com determinação, não pode ter voz. Em outras palavras, ser homem é algo muito bom, desde que você não tenha nascido mulher. Porque aí, só te resta te manter na tua insignificância e arrumar um homem que seja muito homem pra cuidar de ti. 

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