Acho que esse até eu
já compartilhei. Momento vergonha alheia de mim mesma.
Antes de mais nada,
nada contra o casal da foto. Amava Brothers and Sisters e os
personagens deles (só não lembro os nomes, mas lembro que adotaram
a Olívia. Rs...) Também, nada contra a adoção por casais gays ou
lésbicos, muito pelo contrário. Há inúmeras crianças na fila da
adoção, principalmente as mais velhas, e quantas mais forem
adotadas, melhor.
Mas, não dá pra
simplesmente colocar a culpa pelo abandono assim nos “dois
diferentes”, ou seja, no homem e na mulher que conceberam a
criança. Em primeiro lugar, isso culpabiliza as mulheres que
abandonam os próprios filhos, ignorando que muitas vezes elas o
fazem por total falta de opção. Mesmo que o post fale em “dois
diferentes”, esse peso de ter abandonado a criança, de ser
desnaturada, recai muito mais sobre a mulher. Então, indiretamente,
isso ajuda a naturalizar mais essa violência contra a mulher. A
sociedade dá ao homem o direito de ser pai quando quiser, e à
mulher, o dever.
Não dá pra esquecer
que vivemos em um país cristão, onde religiões têm um papel
fundamental na vida de milhões de pessoas e estimulam a natalidade
cada vez maior e impensada. Métodos contraceptivos são condenados
pela igreja católica, mesmo que muitas católicas façam uso. Ter
filhos é um “presente de deus”, que não se pode recusar, mesmo
que não se tenha condições de criá-los. E não se esqueçam que
estimular a natalidade é comum, mas ajuda a criar, não. Depois de
nascida a criança, o maior peso sempre recai sobre a mulher.
Não dá, também, pra
esquecer que o aborto é ilegal em nosso país, que à mulher não é
dado o direito sobre o próprio corpo, o direito sobre si mesma. Não
fez? Agora, aguenta as consequências. Essa gente deve ter faltado à
aula de biologia, pra não saber que mulher não gera um feto
sozinho! Tá cansada de saber que numa gravidez quem se fode é a
mulher, então devia ter se cuidado. Então, novamente, a culpa é da
mulher por ter ousado ter vida sexual, é isso? Ou por ter sido
descuidada? Também faltaram à aula que ensina que nem todo método
contraceptivo é infalível. Também ignoram que muito homem se
recusa a fazer sexo com camisinha, e a mulher acaba sendo obrigada a
ceder, porque, nessa relação, quem tem a força e o poder é ele.
Mas, não dá pra contar com o homem usar camisinha. Tem que se
proteger por conta própria. Ou seja, ignoram também que nem toda
mulher pode tomar pílula anticoncepcional por questões de saúde (e
até por questões religiosas), e poucas têm acesso a outros métodos
mais caros. E que métodos contraceptivos, como já dito, falham.
Não dá, também, pra
esquecer que existem mulheres que geram filhos de estupros. Muitas
vezes, de estupros incestuosos, filhos de seus próprios pais ou
irmãos. Até mulheres homossexuais podem gerar um feto, fruto de
estupro corretivo, por exemplo. E, pra muitas dessas mulheres, seria
impensável criar a criança nascida dessa violência. Mas, aborto em
caso de estupro é legal no Brasil. Sim, na lei, é. Mas, muitas
mulheres que procuram o SUS pra isso sofrem abuso psicológico de
médicos e enfermeiros, muitas vezes tentam convencê-las de que é
melhor levar a gravidez adiante, e até duvidam que tenham sido mesmo
estupradas (Não teve um parlamentar americano que disse que quando é
estupro mesmo, o corpo da mulher se protege e não engravida? Pois
é.) Muitas vezes, a família faz pressão, principalmente contra
mulheres mais jovens, pra que mantenham uma gravidez de um estupro.
Muitas vezes, a religião ou os princípios daquela mulher não
permitem um aborto. Muitas vezes, quando a mulher percebe que está
grávida, já passou o prazo do aborto legal. Todas essas questões
têm que ser pensadas antes de se culpabilizar a mulher por abandonar
uma criança.
Não dá pra esquecer,
também, que muitos homens prometem que serão pais, às vezes são
eles que querem o filho, mais que a mulher. Mas, nem sempre levam
essa promessa adiante quando a coisa aperta. Não se trata só da
questão financeira, mas também dela. E se trata também de
participação efetiva na criação da criança, que não é nada
fácil. Muitas mulheres engravidam até querendo aquele filho, mas na
total falta de suporte – inclusive do estado – são levadas a
abandoná-lo.
Não dá pra esquecer,
também, que muitos bebês são filhos de mulheres que cumprem pena
no sistema carcerário e não podem manter seus filhos, nem se
quiserem. Mas, como ficou grávida na cadeia? Bom, existe algo
chamado visita íntima, e como dito antes, muito marido não usa
camisinha. Não sei como é o acesso de presidiárias a métodos
anticoncepcionais. E, muito mais grave que isso, muitas mulheres são
estupradas em presídios, engravidam, não podem abortar (pois não
denunciam o estupro, geralmente cometido por guardas ou autoridades)
e acabam tendo o filho e são, assim, obrigadas a entregá-los.
E, obviamente, não dá
pra esquecer que algumas mulheres morrem no parto, ou logo depois de
dar à luz, ou quando a criança ainda é pequena. Imagino que, nesse
caso, não se ponha a culpa na mulher, né? Se bem que tem mulher que
“pede pra morrer”, óbvio. Nem pensam nos filhos. Porque até
isso quem é mãe não tem direito: a morrer e deixar os filhos
órfãos. Quem mandou ter filho, agora não pode nem morrer.
São pouquíssimas as
mulheres que abandonam um filho sem que isso gere também pra ela um
enorme sofrimento. Estamos acostumados a ver na TV aqueles casos de
mulheres que deixam bebês em sacos de lixo, dentro de rios, e
achamos que essas são a maioria. Não são. Muitas mulheres se
esforçam o quanto podem pra criar os filhos, mas não conseguem, e
as crianças são tiradas pelo estado. Muitas abandonam filhos,
acreditando que aquilo será o melhor pra criança, que ela terá uma
família que lhe dará o que a mãe não pode. Muitas meninas de
famílias pobres são obrigadas pela própria família a dar, ou
mesmo vender seus filhos, muitas vezes nascidos de estupros, muitas
vezes cometidos por seus próprios pais ou irmãos. Muitas vezes,
essas mesmas meninas foram vendidas pelos seus pais na infância, e
são obrigadas a fazer o mesmo com os filhos, que, se as coisas não
mudarem, farão o mesmo daqui a quinze, vinte anos. Muitas mães que
abandonam crianças também são crianças de doze, quatorze anos.
Então, antes de
elogiar os gays que adotam, principalmente homens, pense se o seu
elogio não é uma ofensa misógina às mulheres. Porque esse do meme
é. Muito.
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