quarta-feira, 3 de junho de 2015

ERRO NÚMERO 11: MULHERES NÃO “JOGAM FORA” SEUS FILHOS

Acho que esse até eu já compartilhei. Momento vergonha alheia de mim mesma.


Antes de mais nada, nada contra o casal da foto. Amava Brothers and Sisters e os personagens deles (só não lembro os nomes, mas lembro que adotaram a Olívia. Rs...) Também, nada contra a adoção por casais gays ou lésbicos, muito pelo contrário. Há inúmeras crianças na fila da adoção, principalmente as mais velhas, e quantas mais forem adotadas, melhor.

Mas, não dá pra simplesmente colocar a culpa pelo abandono assim nos “dois diferentes”, ou seja, no homem e na mulher que conceberam a criança. Em primeiro lugar, isso culpabiliza as mulheres que abandonam os próprios filhos, ignorando que muitas vezes elas o fazem por total falta de opção. Mesmo que o post fale em “dois diferentes”, esse peso de ter abandonado a criança, de ser desnaturada, recai muito mais sobre a mulher. Então, indiretamente, isso ajuda a naturalizar mais essa violência contra a mulher. A sociedade dá ao homem o direito de ser pai quando quiser, e à mulher, o dever.

Não dá pra esquecer que vivemos em um país cristão, onde religiões têm um papel fundamental na vida de milhões de pessoas e estimulam a natalidade cada vez maior e impensada. Métodos contraceptivos são condenados pela igreja católica, mesmo que muitas católicas façam uso. Ter filhos é um “presente de deus”, que não se pode recusar, mesmo que não se tenha condições de criá-los. E não se esqueçam que estimular a natalidade é comum, mas ajuda a criar, não. Depois de nascida a criança, o maior peso sempre recai sobre a mulher.

Não dá, também, pra esquecer que o aborto é ilegal em nosso país, que à mulher não é dado o direito sobre o próprio corpo, o direito sobre si mesma. Não fez? Agora, aguenta as consequências. Essa gente deve ter faltado à aula de biologia, pra não saber que mulher não gera um feto sozinho! Tá cansada de saber que numa gravidez quem se fode é a mulher, então devia ter se cuidado. Então, novamente, a culpa é da mulher por ter ousado ter vida sexual, é isso? Ou por ter sido descuidada? Também faltaram à aula que ensina que nem todo método contraceptivo é infalível. Também ignoram que muito homem se recusa a fazer sexo com camisinha, e a mulher acaba sendo obrigada a ceder, porque, nessa relação, quem tem a força e o poder é ele. Mas, não dá pra contar com o homem usar camisinha. Tem que se proteger por conta própria. Ou seja, ignoram também que nem toda mulher pode tomar pílula anticoncepcional por questões de saúde (e até por questões religiosas), e poucas têm acesso a outros métodos mais caros. E que métodos contraceptivos, como já dito, falham.

Não dá, também, pra esquecer que existem mulheres que geram filhos de estupros. Muitas vezes, de estupros incestuosos, filhos de seus próprios pais ou irmãos. Até mulheres homossexuais podem gerar um feto, fruto de estupro corretivo, por exemplo. E, pra muitas dessas mulheres, seria impensável criar a criança nascida dessa violência. Mas, aborto em caso de estupro é legal no Brasil. Sim, na lei, é. Mas, muitas mulheres que procuram o SUS pra isso sofrem abuso psicológico de médicos e enfermeiros, muitas vezes tentam convencê-las de que é melhor levar a gravidez adiante, e até duvidam que tenham sido mesmo estupradas (Não teve um parlamentar americano que disse que quando é estupro mesmo, o corpo da mulher se protege e não engravida? Pois é.) Muitas vezes, a família faz pressão, principalmente contra mulheres mais jovens, pra que mantenham uma gravidez de um estupro. Muitas vezes, a religião ou os princípios daquela mulher não permitem um aborto. Muitas vezes, quando a mulher percebe que está grávida, já passou o prazo do aborto legal. Todas essas questões têm que ser pensadas antes de se culpabilizar a mulher por abandonar uma criança.

Não dá pra esquecer, também, que muitos homens prometem que serão pais, às vezes são eles que querem o filho, mais que a mulher. Mas, nem sempre levam essa promessa adiante quando a coisa aperta. Não se trata só da questão financeira, mas também dela. E se trata também de participação efetiva na criação da criança, que não é nada fácil. Muitas mulheres engravidam até querendo aquele filho, mas na total falta de suporte – inclusive do estado – são levadas a abandoná-lo.

Não dá pra esquecer, também, que muitos bebês são filhos de mulheres que cumprem pena no sistema carcerário e não podem manter seus filhos, nem se quiserem. Mas, como ficou grávida na cadeia? Bom, existe algo chamado visita íntima, e como dito antes, muito marido não usa camisinha. Não sei como é o acesso de presidiárias a métodos anticoncepcionais. E, muito mais grave que isso, muitas mulheres são estupradas em presídios, engravidam, não podem abortar (pois não denunciam o estupro, geralmente cometido por guardas ou autoridades) e acabam tendo o filho e são, assim, obrigadas a entregá-los.

E, obviamente, não dá pra esquecer que algumas mulheres morrem no parto, ou logo depois de dar à luz, ou quando a criança ainda é pequena. Imagino que, nesse caso, não se ponha a culpa na mulher, né? Se bem que tem mulher que “pede pra morrer”, óbvio. Nem pensam nos filhos. Porque até isso quem é mãe não tem direito: a morrer e deixar os filhos órfãos. Quem mandou ter filho, agora não pode nem morrer.

São pouquíssimas as mulheres que abandonam um filho sem que isso gere também pra ela um enorme sofrimento. Estamos acostumados a ver na TV aqueles casos de mulheres que deixam bebês em sacos de lixo, dentro de rios, e achamos que essas são a maioria. Não são. Muitas mulheres se esforçam o quanto podem pra criar os filhos, mas não conseguem, e as crianças são tiradas pelo estado. Muitas abandonam filhos, acreditando que aquilo será o melhor pra criança, que ela terá uma família que lhe dará o que a mãe não pode. Muitas meninas de famílias pobres são obrigadas pela própria família a dar, ou mesmo vender seus filhos, muitas vezes nascidos de estupros, muitas vezes cometidos por seus próprios pais ou irmãos. Muitas vezes, essas mesmas meninas foram vendidas pelos seus pais na infância, e são obrigadas a fazer o mesmo com os filhos, que, se as coisas não mudarem, farão o mesmo daqui a quinze, vinte anos. Muitas mães que abandonam crianças também são crianças de doze, quatorze anos.


Então, antes de elogiar os gays que adotam, principalmente homens, pense se o seu elogio não é uma ofensa misógina às mulheres. Porque esse do meme é. Muito.  

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